Airton

Em Pilar do Sul, cidade que já deixamos pra trás, enquanto o Affonso estava acamado, fui tentar resolver o problema da corrente da bike dele. Coisa bem estranha, uma corrente nova que estava bastante travada e não girava em alguns elos.

Nessa busca aleatória de bicicletarias, fui parar na casa do Airton. O rapaz trabalha num quintal (tem até uma churrasqueira), com um monte de bicicletas encostadas umas nas outras. Lá no fundo, é possível ver um pequeno pomar, e, antes dele, um imenso latão onde ele empilha peças velhas de bicicleta.

Airton trabalhou pelo menos uma hora na corrente do Affonso. Lubrificou com óleo singer (que eu sei que é inapropriado, mas era o que tinha), alargou os elos travados, desmontou os pneus pra mim e eu coloquei as fitas anti-furo. Ele montou tudo de volta. Ao final deixou claro: “não tá 100%, mas eu não tenho uma corrente nova aqui, então é o melhor que eu podia fazer”.

Enquanto estávamos juntos, Airton recebeu cerca de 12 clientes. Quase todos moleques, aos quais respondeu igualmente: “as peças não chegaram ainda, distribuidor vem mais tarde, passa amanhã faz favor”. O interior tem essa coisa de uma outra velocidade.

Até aqui, nada de novo no descritivo. Mas o que é curioso dessa experiência foi ver toda uma oficina de bicicletas adaptada a um mecânico com deficiência física. Se não me falhe a memória do que Airton me contou, ele sofreu um acidente de carro aos 19 anos e perdeu o movimento das pernas. Ficou três anos sem fazer nada e aos poucos começou a achar coisas de que gostava de fazer.

Contou que fazia pipas, papagaios, carrinhos de rolemã pra molecada e foi nesse momento em que ele começou a arrumar algumas bicicletas. Pouco a pouco, a molecada começou a trazer mais bikes e ele sacou que dava pra ganhar alguma grana com aquela ocupação. Há seis anos, ele é mecânico de bikes.

Enquanto falava da sua história, Airton foi especialmente enfático no episódio da compra mínima. Pra passar a ter uma bicicletaria, é necessário ter estoque. A primeira compra para estoque tinha que ser de mais de 360 reais e ele comentou do apuro que passou porque não sabia se faria suficientes trabalhos pra pagar a soma. Ao fim, ele conseguiu pagar a primeira compra e desde então vem mantendo essa oficina que é bastante conhecida em Pilar do Sul.

Eu não queria fazer juízos sobre essa história nem tirar conclusões. Queria só ressaltar uma cronologia: uma pessoa que perde o movimento das pernas por conta de um acidente de carro e passa a arrumar bicicletas, que ele próprio nunca poderá usar.

8 opiniões sobre “Airton

  1. Juli disse:

    Personagem, né? Me lembrou do moço que conheci que trabalhava numa montadora de carros e só viajava de bike. A história do Airton é evidentemente muito poética, mesmo você tendo feito uma narração bem direta, sem muitas emoções. Calderón diria: “impactante!”.

  2. disse:

    Fabricio, isso que faz diferença, mais do que o caminho, acho que são as pessoas ao longo do caminho que vão compondo a parte mais importante da viagem de vcs! To adorando o blog! beijos!!!

  3. Flavio disse:

    Foda cara…histórias de pessoas de verdade

  4. May disse:

    Delicioso acompanhar os relatos de vcs… boa viagem!!

  5. Leandro Farias disse:

    Boa viagem companheiros, vou ganhar muito conhecimento com os seus relatos! Que Deus proteja vocês nessa missão!

  6. Leandro Farias disse:

    Boa viagem companheiros, vou ganhar muito conhecimento com os seus relatos! Que Deus proteja vocês nessa missão! Parabéns!

  7. Maria de Fátima do Prado Valladares disse:

    Hoje, dia 10, vocês estão em Sengés de onde vi algumas imagens, e também tem lugares deslumbrantes. É um pouco aflitivo essa estória de “Cannions”, mas a paisagem é maravilhosa. Lugares hein? Que viagem!… Sempre na torcida, muito boa sorte meninos!

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