{"id":207,"date":"2012-02-14T00:05:57","date_gmt":"2012-02-14T03:05:57","guid":{"rendered":"http:\/\/ushuaialaska.wordpress.com\/?p=133"},"modified":"2012-03-02T14:08:23","modified_gmt":"2012-03-02T17:08:23","slug":"mais-ou-menos-sobre-os-silencios-e-o-pensamento-na-estrada","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/mais-ou-menos-sobre-os-silencios-e-o-pensamento-na-estrada\/","title":{"rendered":"Mais ou menos sobre os sil\u00eancios e o pensamento na estrada"},"content":{"rendered":"

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Todo ciclista de alguma forma j\u00e1 est\u00e1 acostumado a conviver com os pr\u00f3prios pensamentos. E vejo como lidar com os pr\u00f3prios pensamentos \u00e9 e sempre foi uma quest\u00e3o complicada pra muita gente, at\u00e9 um tabu pra muitos grupos (ou qualquer pessoa que veja sua individualidade amea\u00e7ada ou castrada por tradi\u00e7\u00f5es, contratos sociais ou de trabalho, id\u00e9ias fixas). Minha tia Miriam do Rio de Janeiro, alguns meses antes de eu partir, me ligou aflita quando soube da viagem: “Meu filho, olha, voc\u00ea leu muitos livros, fez universidade, \u00e9 artista, tem todo um universo interior. Eu sou uma mulher pr\u00e1tica! Nem sei o que significa subjetividade. Eu conhe\u00e7o as coisas como elas s\u00e3o, n\u00e3o pela teoria. Converso com as pessoas, j\u00e1 vi muita coisa por a\u00ed. O mundo \u00e9 perigoso, toma cuidado!”.<\/p>\n

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Bom, eu n\u00e3o diria que em quase 30 anos de vida n\u00e3o tive ainda nenhuma experi\u00eancia pr\u00e1tica (at\u00e9 j\u00e1 plantei feij\u00e3ozinho no algod\u00e3o, foi m\u00e1gico!). Mas uma viagem de bicicleta como a que estamos fazendo \u00e9 uma experi\u00eancia intens\u00edssima nos dois sentidos: na tal da vida pr\u00e1tica, exterior, e na tamb\u00e9m tal da vida interior. Passam-se horas em sil\u00eancio, durante as pedaladas na estrada, e tamb\u00e9m depois. O pr\u00f3prio entendimento entre eu e o Fabr\u00edcio, uma necessidade constante de equil\u00edbrio m\u00fatuo, talvez aconte\u00e7a mais durante os sil\u00eancios do que nas conversas.\u00a0Uma viagem de biclicleta em grupo n\u00e3o garante altas conversas; quem v\u00ea o sil\u00eancio como algo inc\u00f4modo, a ser evitado a todo custo, como sintoma daquele vazio que muitos querem longe, poderia ter a\u00ed um grande problema. E carregar na cabe\u00e7a alguma quest\u00e3o pessoal mal resolvida, como uma frustra\u00e7\u00e3o qualquer, um arrependimento, uma mem\u00f3ria persistente, pode ver essa quest\u00e3o pesar mais e mais ao longo da viagem.<\/p>\n

Durante os 6 meses que antecederam nossa partida, tentei ter clareza de que deveria sair de S\u00e3o Paulo sem nenhum v\u00ednculo que n\u00e3o fosse o estritamente afetivo, com minha fam\u00edlia e amigos (essa foi uma resolu\u00e7\u00e3o pessoal minha, n\u00e3o \u00e9 uma exig\u00eancia pra qualquer um que queira viajar um bom tempo de bike). Nenhum contrato, nenhuma quest\u00e3o pendente, nenhum rolo amoroso mal resolvido, quite com a vida e totalmente aberto para o que poderia vir a acontecer. E j\u00e1 na viagem, a impress\u00e3o que tenho \u00e9 que a cada dia devemos dormir quites, zerados com as quest\u00f5es do dia que est\u00e1 acabando. N\u00e3o h\u00e1 nada mais urgente aqui do que o pr\u00f3prio momento em que se est\u00e1, e as condi\u00e7\u00f5es desse momento.<\/p>\n

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Pedalaremos uma m\u00e9dia de 5 a 6 horas por dia, de 4 a 5 dias por semana, durante nossa viagem. Estamos descobrindo aos poucos uma certa din\u00e2mica do corpo na estrada: na primeira hora em geral rendemos bem, e isso pode se estender pra segunda hora; da terceira em diante, dependendo da intensidade da pedalada j\u00e1 feita, o cansa\u00e7o j\u00e1 aparece, e falta ainda algum tempo pro almo\u00e7o (que de fato renova as energias, o \u00e2nimo e as pernas pra chegarmos ao destino do dia). Confesso que minha cabe\u00e7a pensa num volume alto quase o tempo todo, e imagino que o Fat\u00edcio, cabe\u00e7udo como \u00e9, tamb\u00e9m.\u00a0Se nos momentos de cansa\u00e7o na estrada somos assediados por pensamentos que nos puxam pra baixo, tem ficado claro como o rendimento da pedalada diminui, como tamb\u00e9m a aten\u00e7\u00e3o \u00e0 estrada que deve ser constante. Nessa hora, ou conv\u00e9m ouvir uma m\u00fasica (se a estrada tiver um acostamento generoso e tr\u00e1fego tranquilo), ou parar, ou comer pa\u00e7oca, mascar algo que dure na boca, ou contar com o acaso que tem nos brindado com encontros quase sempre oportunos: gente que p\u00e1ra o carro pra conversar conosco, uma buzinadinhas camaradas que as vezes nos reconectam, um rio que cruza a estrada e paramos pra nadar, beber \u00e1gua de fontes, tirar foto, ou dar aten\u00e7\u00e3o pra um gavi\u00e3o pagando de gat\u00e3o no meio da pista.<\/p>\n

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Parada nossa e do caminh\u00e3o da empresa que faz asfalto no Rio Verde<\/p><\/div>\n

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Os dois cavaleiros que foram de cavalo do Paran\u00e1 at\u00e9 o Santu\u00e1rio de Aparecida do Norte, e pararam pra conversar conosco na estrada e dar for\u00e7a<\/p><\/div>\n

Tenho me lembrado bastante de uma frase do Deleuze (fil\u00f3sofo franc\u00eas da segunda metade do s\u00e9culo XX): \u02dc\u00c9 preciso pensar com o que fortalece o pensamento, n\u00e3o com o que o debilita\u02dc. Nem sempre isso \u00e9 poss\u00edvel, mas fica como norte pra pr\u00e1tica do pensamento, que vai ser t\u00e3o constante e intenso pra n\u00f3s quanto pedalar.<\/p>\n

Pra evitar esbo\u00e7ar em mim um novo guru de auto-ajuda, queria come\u00e7ar o relato objetivo dos \u00faltimos dias de viagem, mas o Fat\u00edcio j\u00e1 fez isso (falou de Seng\u00e9s), ent\u00e3o hoje s\u00f3 fiz filosofar mesmo. S\u00f3 n\u00e3o queria deixar de agradecer ao povo de Seng\u00e9s que conhecemos, e por quem guardarei muito carinho. E as mo\u00e7as de Pira\u00ed do Sul, que na conversa fizeram nossa digest\u00e3o de feijoada ficar mais leve, beeeijo proc\u00eais.<\/p>\n

Affonso<\/p>\n

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