{"id":334,"date":"2012-02-28T09:43:24","date_gmt":"2012-02-28T12:43:24","guid":{"rendered":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/?p=334"},"modified":"2012-03-01T14:04:56","modified_gmt":"2012-03-01T17:04:56","slug":"dois-barbudos-bronzeados-no-templo-do-capitalismo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/dois-barbudos-bronzeados-no-templo-do-capitalismo\/","title":{"rendered":"Dois barbudos-bronzeados no templo do capitalismo"},"content":{"rendered":"

A Juliene, minha namorada, colou em Cascavel e Foz do Igua\u00e7u pra encontrar com a gente no carnaval. Desse encontro, saiu um breve relato dela sobre esse lugar absurdo que \u00e9 a tripla fronteira. Publico o relato abaixo. Depois adiciono fotos.<\/em><\/p>\n

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Viajar de bicicleta bronzeia. Quando encontrei aquele mo\u00e7o galego com quem compartilhei 90% dos meus dias nos \u00faltimos anos, quase n\u00e3o reconheci. Barba + sujeira de estrada + muito sol na pele todo santo dia fizeram um rosto novo. Bonito. Marca de uma vida diversa.<\/p>\n

De S\u00e3o Paulo a Cascavel foram cerca de 12 horas de viagem de Carnaval em um bus\u00e3o promocional beeeem ruim – quase o mesmo n\u00famero em horas que Fabr\u00edcio e Affonso usaram em dias no mesmo percurso. A conclus\u00e3o \u00e9 que os motores “pulam” muitas possibilidades nessa vida. E que eles mentem. A velocidade deles mente o tempo da vida.<\/p>\n

De Cascavel, partindo da deliciosa casa do T\u00falio (que nos recebeu pelo Couchsurfing – oba! Obrigada!), seguimos para Foz do Igua\u00e7u – os maluco de bike e eu de bus\u00e3o. Eles chegaram quase uma hora antes de mim em Foz. Eu sa\u00ed de Cascavel quase 8 horas depois deles.<\/p>\n

O quadradinho da janela do \u00f4nibus n\u00e3o me impediu de sentir a aproxima\u00e7\u00e3o do templo do consumo sem impostos (ou quase sem impostos). Ai, o Paraguai. Para o qu\u00ea?<\/p>\n

Desde muitos quil\u00f4metros antes da fronteira, outdoors gigantes nos contam tudo o que podemos encontrar no para\u00edso. Tudo escrito no imperativo. Compre, conhe\u00e7a, compre, veja, compre, v\u00e1, compre, encontre, compre. A percep\u00e7\u00e3o veio meio lenta, distra\u00edda – eu estava escrevendo versos sobre solid\u00e3o. De repente, percebi a cabe\u00e7a acelerar e notei que eu estava repetindo mentalmente uma s\u00e9rie de frases sobre as quais n\u00e3o tinha refletido. Compre, conhe\u00e7a, compre, veja, compre, v\u00e1, compre, encontre, compre. O melhor “n\u00e3o sei o qu\u00ea”, o mais novo “n\u00e3o sei o que l\u00e1”, o maior “n\u00e3o sei mais o qu\u00ea”, o mais visitado “n\u00e3o sei mais o que l\u00e1”.<\/p>\n

Em vez de correr pra Monaliza (a loja campe\u00e3 em quantidade de an\u00fancios na estrada), corremos para a fam\u00edlia ainda desconhecida do Fabr\u00edcio. Os Muriana s\u00e3o muitos e bons em Foz e n\u00e3o existe sensa\u00e7\u00e3o mais aconchegante na vida do que casa de v\u00f3. E estivemos lindos dias na casa da Muriana, av\u00f3 de Luiza, Xandinho e Angelo.<\/p>\n

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Nos primeiros dias, trocamos a abund\u00e2ncia de produtos pela abund\u00e2ncia de \u00e1gua e os meninos trocaram as bicicletas pelo carro na carona da Ju em um dos dias e do Xande no outro dia.<\/p>\n

Primeira parada: Usina Hidrel\u00e9trica Itaip\u00fa Binacional. Al\u00e9m de todo o impacto ambiental que j\u00e1 conhec\u00edamos de ouvir falar e da complexidade das negocia\u00e7\u00f5es entre Brasil e Paraguai (d\u00edvidas de guerra, quest\u00f5es territoriais, etc), uma novidade triste: um pouco acima da Usina, ainda nas \u00e1guas do Rio Paran\u00e1, existia, antes da constru\u00e7\u00e3o da barragem, Sete Quedas, um conjunto de quedas d’\u00e1gua provavelmente maior em volume do que as mundialmente conhecidas Cataratas do Igua\u00e7u. A belezura toda foi afundada 1982, como resultado do trabalho de mais de 40 mil pessoas que constru\u00edram Itaipu.<\/p>\n

Segunda parada: Cataratas do Igua\u00e7\u00fa, passeio pela estrutura do lado argentino das Cataratas – ponto de vista mais privilegiado que o nosso. \u00c9 praticamente imposs\u00edvel explicar o que \u00e9 uma queda d’\u00e1gua daquele tamanho. Os olhos ficam cheios e ainda sobra \u00e1gua pra ver. Nas jun\u00e7\u00f5es entre quedas, \u00e0s vezes, fica imposs\u00edvel estabelecer fronteiras, tudo se confunde, a vis\u00e3o fica bagun\u00e7ada, a \u00e1gua puxa o olhar pra baixo at\u00e9 o rio. \u00c9 coisa demais pra olho humano. Uma das coisas mais bonitas que j\u00e1 vi na vida.<\/p>\n

\nNada me tirava da cabe\u00e7a a imagem puramente idealizada do que deveriam ser as Sete Quedas, que deixaram de existir por decis\u00e3o humana e em nome do “desenvolvimento”. Fabr\u00edcio fez uma observa\u00e7\u00e3o que ainda me assusta: de certo modo, parece que a barragem de Itaip\u00fa mimetiza as Cataratas, copia (feiamente, convenhamos) a natureza, as barreiras naturais. Quase daria pra confundir, se uma coisa n\u00e3o fosse relativa a vidas e outra relativa a mortes (145 de trabalhadores, segundo um dos oper\u00e1rios que fez parte da constru\u00e7\u00e3o e nos acompanhou na visita. Sem contar peixes, p\u00e1ssaros, on\u00e7as, …).<\/p>\n

E falando em coisas relativas \u00e0 morte… vistas as cataratas do rio Igua\u00e7u (e a histeria tur\u00edstica de fotos e poses em seu entorno), o resto… o resto \u00e9 com\u00e9rcio. O resto \u00e9 dinheiro. O resto \u00e9 trabalho absolutamente indigno, mal pago, mal valorizado, mal aplicado, mal planejado de Ciudad del Este. O resto \u00e9 uma vontade contradit\u00f3ria de que o rio invadisse justamente aquele lugar fronteiri\u00e7o em que o sistema de valores que vivemos ganha vida em cada cantinho e se mostra, pelo menos pra mim, enorme e poderoso. O resto s\u00e3o pessoas virando mercadoria, trabalho virando mercadoria, vida virando mercadoria. Cota\u00e7\u00e3o de d\u00f3lar, cheiro de desconfian\u00e7a, seguran\u00e7as hiper-armados contra-quem? O resto \u00e9 a press\u00e3o para que voc\u00ea tente ter tudo aquilo de que voc\u00ea n\u00e3o precisa. O resto \u00e9, portanto, relativo \u00e0 morte. Porque o dinheiro e a mercadoria s\u00e3o mortos. E boa parte das pessoas est\u00e1 mais preocupada com dinheiro e mercadoria do que com pessoas. (A outra parte n\u00e3o est\u00e1 preocupando-se, est\u00e1 vendendo barato seu sangue e suor).<\/p>\n

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A Juliene, minha namorada, colou em Cascavel e Foz do Igua\u00e7u pra encontrar com a gente no carnaval. Desse encontro, saiu um breve relato dela sobre esse lugar absurdo que \u00e9 a tripla fronteira. Publico o relato abaixo. Depois adiciono fotos. Viajar de bicicleta bronzeia. Quando encontrei aquele mo\u00e7o galego com quem compartilhei 90% dos […]<\/p>\n","protected":false},"author":2,"featured_media":0,"comment_status":"open","ping_status":"open","sticky":false,"template":"","format":"standard","meta":{"footnotes":""},"categories":[3],"tags":[],"jetpack_featured_media_url":"","_links":{"self":[{"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/334"}],"collection":[{"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts"}],"about":[{"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/types\/post"}],"author":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/users\/2"}],"replies":[{"embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/comments?post=334"}],"version-history":[{"count":5,"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/334\/revisions"}],"predecessor-version":[{"id":337,"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/posts\/334\/revisions\/337"}],"wp:attachment":[{"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/media?parent=334"}],"wp:term":[{"taxonomy":"category","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/categories?post=334"},{"taxonomy":"post_tag","embeddable":true,"href":"https:\/\/www.ushuaialaska.com.br\/wp-json\/wp\/v2\/tags?post=334"}],"curies":[{"name":"wp","href":"https:\/\/api.w.org\/{rel}","templated":true}]}}