Arquivo mensal: maio 2012

Mais sobre os primeiros dias no Paraguai

Me esqueci de contar, na postagem sobre os dias no Paraguai, que desde nossos primeiros dias por lá até os últimos eu costumava perguntar aos paraguaios que conhecíamos qual a impressão que tinham sobre os brasileiros, tanto historicamente quanto atualmente.

No início eu fazia essa pergunta carregando algum sentimento de culpa, tendo em mente principalmente o massacre do povo paraguaio pela Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai. Pouco a pouco se juntavam a essa mesma pergunta a questão dos brasiguaios,  brasileiros donos de terras na fronteira entre o nordeste paraguaio e o centro-oeste brasileiro. Por fim, após me frustar mais de uma vez buscando ouvir música paraguaia ao sintonizar as rádios locais e só encontrando Michel Teló, Tchererê-tchê-tchê, funk carioca e sertanejo universitário, também me interessava saber dos paraguaios o que achavam da presença constante de músicas comercias, canais de televisão brasileiros e novelas da Globo, presentes em todo o país.

É claro que minha pergunta era um tanto tendenciosa (assim como esse texto) e forçava uma resposta imensamente genérica; mesmo assim, não ouvi de nenhum paraguaio qualquer reprovação aos brasileiros, e sim, quase sempre, admiração. Sem ignorar a vocação imperialista do Brasil, paraguaios, uruguaios e argentinos com quem já cruzei por aí admiram a “potência produtiva brasileira”, e de alguma maneira respeitam o atual papel de liderança local que o Brasil exerce na América Latina, e particularmente entre os países do Mercosul. É curioso como, no entanto, somos frequentemente confundidos com americanos, canadenses ou alemães: “Se fosse americano eu não ajudava!” – ouvi mais de uma vez.

Escutei de um argentino num camping uruguaio: “O Brasil é um fenômeno!”; de um paraguaio em Assunción que me falava das mulheres brasileiras, disse que sabem o que querem e o que não querem, e buscam o que querem com objetividade, mas sem deixar de brincar (“jugar”), em seguida malhou as mulheres argentinas; os caminhoneiros paraguaios e uruguaios também contam histórias das amizades que tiveram e têm com os caminhoneiros brasileiros.

Seria só no Uruguai onde eu ouviria pela primeira vez alguma ressalva aos brasileiros, pelo Alfredo, um uruguaio a quem fomos pedir informação na estrada no nosso primeiro dia de pedal pelo país. Aos nos recomendar conhecer Colônia del Sacramento, única cidade uruguaia de colonização portuguesa, o Alfredo disse que hoje o Brasil tem assumido o mesmo papel que os portugueses já cumpriram no passado, “mas pacificamente”.

Numa das muitas conversas com o Giulio, paraguaio que nos hospedou pelo couchsurfing em Assunción, fiquei PASSADO!! quando nos contou de um episódio recente da diplomacia brasileira que eu desconhecia: após o fim da Guerra do Paraguai, os “vencedores” (Brasil, Argentina e Uruguai) literalmente saquearam tudo que acharam por direito do território paraguaio; não seria exagero dizer que a memória material do povo paraguaio se encontra há 150 anos sequestrada. Em 2009 o Governo Lula reavaliou todos esses arquivos e objetos roubados, a fim de julgar se conviria abrir esses documentos publicamente ou devolvê-los ao Paraguai (a exemplo de Argentina e Uruguai, que devolveram o que guardavam recentemente).  Por fim, a diplomacia brasileira decidiu por seguir mantendo consigo esses documentos, a seu ver “comprometedores”. Um paraguaio que queira ter acesso a esses documentos, quase todos guardados no Palácio do Itamaraty em Brasília, não tem permissão; no entanto, um brasileiro tem acesso a eles, entre os quais documentos históricos relativos à independência do Paraguai em 1810, artefatos da cultura guarani anterior à chegada dos espanhóis, registros de canções paraguaias, e o que mais me impressionou: um enorme canhão conhecido como “Canhão Cristão” ou “El Cristiano”, feito pelos paraguaios a partir da fundição de vários sinos de suas igrejas para fazer frente ao poder de fogo da Tríplice Aliança e depois capturado como troféu de guerra pelo exército brasileiro. Esse canhão encontra-se hoje no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro e é para os paraguaios um símbolo de sua resistência durante a guerra (fui buscar na internet mais informações sobre esse caso e parece que o Brasil devolverá pelo menos o canhão, o resto segue no Itamaraty indefinidamente).

 

El Cristiano

 

Me desculpem pelo tom generalizante e tendencioso do texto, não deu pra sair de outro jeito, e tudo é realmente mais sutil e com mil mais variáveis do que eu faço parecer no texto. Agora, o que os paraguaios, uruguaios e brasileiros tem me dito sobre os argentinos é DRAMA!!, e vai ficar pra outra postagem.

 

Missiones, Corrientes e volta ao Brasil.

Terminado o trecho do Paraguai, cruzamos para o lado argentino com as bikes num busão lotado e chegamos em Posadas num domingo à noite, se me lembro bem.

Como levar uma bike quando o exército proíbe a passagem.

Posadas, capital da Província de Misiones, tem exatamente a mesma pegada de todas as cidades médias ou grandes argentinas que encontrei até aqui. Quadras quadradinhas, de 100 metros cada. Cafés, parrillas, bancos, praça central, chineses… Fomos parar nos bombeiros da cidade, desavisados de que eram militares. Até aqui, todo o contato com os militares da Argentina pode ser qualificado como péssimo (vide a proibição de atravessar com a bicicleta) e no caso dos bombeiros da cidade de Posadas não foi diferente. Perguntados se poderíamos passar duas noites no quartel, o bombeiro lançou um “no hay drama” e fomos direcionados a um quarto de entulhos. Nele, estava um desses carrinhos de mão que se usa para carregar pesos grandes e um monte de coisas velhas do bombeiros. Arrumamos um canto pra dormir no mínimo espaço que havia e passamos a noite no local. No meio da noite, uma pessoa veio retirar o carrinho de mão e vi que era o outro ciclista sobre que os bombeiros tinham avisado.

Carrinho em que o Moizés levava as coisas dele.

Já em Encarnación, o secretário de esportes da cidade avisara que estava um ciclista equatoriano na cidade, mas não o tínhamos encontrado. Moisés era o nome do primeiro cicloviajante que encontraríamos. Um cara estranhíssimo, não só pela adaptação grosseira que fez no seu equipamento para sua viagem de bike, mas também por uma série de encanações com defesa pessoal (como ter um estilingue e treinar quedas da bike) que nunca foram (nem acho que serão) uma preocupação nossa ao longo da viagem. A princípio falou que queria fazer um record no Guinness, depois disse que pegava carona com frequência. Enfim, com o Moisés, ficou claro pra mim o que pode acontecer quando nos isolamos por muito tempo das pessoas.

A noite continuaria longa, quando às 6h30 da manhã um bombeiro veio pedir que nos apresentássemos ao comandante. Desci e qual não foi a surpresa ao saber que o tal comandante ainda não tinha chegado. Voltei a dormir e lá pelas 7h30 o mesmo soldado veio nos chamar pra fazer a apresentação. Descemos, dessa vez os dois, e o tal comandante ainda não havia chegado. Era só pra causar transtorno que a tal apresentação era solicitada. Entendemos o recado, arrumamos as coisas e seguimos pro centro, em busca da secretaria de esportes.

Isso de estar aberto a qualquer coisa que possa acontecer e de às vezes não ter mais alternativas, muitas vezes nos deixa sem uma perspectiva clara de como será o final do dia. Mas acho que é exatamente isso, o esvaziamento das possibilidades concretas, que nos faz chegar a outro lugar de abertura com as pessoas. No caminho da secretaria, uma mulher nos perguntou de onde vínhamos e fez questão de nos acompanhar até o gabinete do secretário de esportes da cidade. Menos de meia hora depois de sermos quase expulsos pelos bombeiros, eu estava tomando um mate com o secretário de esportes da cidade. Ele nos daria alojamento no anfiteatro da cidade por quantos dias quiséssemos.

Secretário de Esportes e a mulher que conhecemos na rua.

Hotel, casa, cachoeira, quartel do exército, bombeiros, fundos de um estacionamento e agora domiríamos no subsolo de um anfiteatro com vista para o Rio Paraná e a Orla da Cidade de Encarnación. Lugar incrível e inexplicável que tenha um alojamento. Passamos duas noites nesse lugar e pude fazer vários rolês pela cidade.

Vista da Orla de Encarnación, a partir de Posadas.

O que acho que mais me marcou da cidade de Posadas foi a clara distinção de raças que compõem o povo argentino e o povo paraguaio. Foi só cruzar uma ponte e deixamos de ver uma população majoritariamente indígena e passamos a ver sobretudo descendentes de italianos e espanhóis. O que os Argentinos fizeram com os índios dessa região ainda fica como incógnita, mas definitivamente é estranho.

Seguimos então pra cidade de Gobernador Virasoro, já na província de Corrientes. Em Misiones, as estradas tinham acostamento e, apesar do altíssimo movimento de caminhões e das lombadas no acostamento, era tranquilo seguir. No exato momento em que passamos a placa que anunciava a chegada da província de Corrientes, acabaram os acostamentos e tivemos que dividir pista com os caminhões. Foi um dos pedais menos prazerosos que já fiz, no limite de um torcicolo de tanto que tinha que olhar pra traz e descer pro mato com a bike super carregada.

Valeu por avisar!

Lembre-se: Ruta 14, desviar.

Em Gobernador Virasoro falamos com uma pessoa da prefeitura que nos deu abrigo no ginásio da cidade. Aí escutamos sobre a Fábrica de Erva Mate da marca Taragüi, que fica a poucos kilômetros da cidade. No dia seguinte, passamos na fábrica e foi legal conhecer um pouco mais da fixação de Argentinos, Uruguaios e Rio Grandenses pelo mate, uma erva originariamente das américas, consumida antes pelos índios e agora por todos. Voltamos à tarde pra estrada horrorosa e o pedal não rendeu muito. Paramos num posto e decidimos cruzar pro Brasil. Lá pelas 10 da noite saímos em direção a Santo Tomé, porque o fluxo da estrada finalmente tinha baixado. Realmente aí o pedal rendeu e chegamos na fronteira com São Borja lá pelas 2h da manhã.

Depois de buscar informações numa boate, seguimos em direção dos bombeiros que nos receberam e neste ponto começa o trecho do Rio Grande do Sul.

Fim do Paraguai – San Cosme e Encarnación

San Cosme foi um lugar primoroso de visitar pela história das dunas, pelo isolamento e pelas missões jesuíticas de Boaventura. Saímos da cidade depois de dois dias de acampamento e fomos diretamente a Encarnación, terceira maior cidade do Paraguai.

Orla

Ao fundo, a cidade de Posadas, do outro lado do Rio Paraná.

Apesar de bem maior, Encarnación tem um jeitão de cidade do interior do Brasil. Como já comentei no último texto, Encarnación sofreu uma reforma urbana recente, que reconstituiu sua centralidade e inundou uma parte da cidade. Fronteira com a Argentina, a cidade tem um comércio abundante, embora não comprável em escala com o de Ciudad del Leste e uma sensação de segurança inigualável no Paraguai. Não é exagero dizer que Encarnación é o exato oposto dos nossos preconceitos com relação ao Paraguai.

Chegamos à noite e procuramos a prefeitura, que estava fechada. Logo ao lado havia uma delegacia, onde os policiais nos indicaram os bombeiros voluntários amarelos de Encarnación. Sim, a profissão de bombeiro no Paraguai é mais uma predisposição do que profissão propriamente. Do comandante ao que recém entrou para o corpo, todos são voluntários. E ainda existem bombeiros amarelos e azuis, que se separaram nacionalmente em dois grupos de gestões independentes.

No quartel dos bombeiros amarelos

O quartel dos bombeiros amarelos ficava anteriormente na região que foi alagada. O terreno atual era emprestado pela Usina de Yacyretá. Nele, os bombeiros mantém 3 caminhões, todos importados. Um do Japão, um da Inglaterra e um da Holanda. O caminhão inglês tem direção do lado direito do motorista. Impressionante a adaptabilidade dos bombeiros paraguaios.

Nas três noites em que estivemos no quartel, resolvi problemas mecânicos, tomei sorvete pra caramba e dei uma entrevista pra Rádio Encarnación, a primeira da viagem. O filho de um dos locutores estava assistindo, então pedi que ele gravasse a entrevista com meu celular. Ficou meio tremido mas o resultado é esse aqui:

A parte que provavelmente se tornará o principal atrativo turístico de Encarnación é a novíssima orla, construída pela prefeitura com grana da Hidrelétrica de Yacyretá. Exemplo de como a construção do discurso oficial se faz a partir da perspectiva dos vencedores, a orla é enxergada como algo sensacional pela maior parte dos moradores da região.

Claro que fomos de bike pra praia

A tal da Orla

Pertinho de Encarnación, estão as ruínas de Trinidad e Jesús, as últimas que visitamos num dia inteiro de pedal. Infelizmente a quantidade de informações no local das ruínas era insuficiente, jogada que claramente força o visitante a ter que pagar um guia, além de pagar a entrada das ruínas. Fiquei só com as fotos e as interpretações livres. Tá valendo:

Jesús:

Campanário

No penúltimo dia, fomos checar a informação da proibição do cruzamento da ponte entre Encarnación e Posadas para pessoas em bicicleta e a pé. Definitivamente a mais surreal das proibições que encontrei em toda a viagem, esta normativa partir do exército Argentino, “por un tema de seguridad”. Fui até o lado Argentino sem a bicicleta para conversar com o oficial, e ao menos pareceu que ele fez o que pode. Ligou pro seu superior, questionou, mas prevaleceu a proibição. Terminada a conversa, deixei claro pra ele que a proibição era surreal, uma vez que por um “tema de segurança” a bicicleta não oferece risco nenhum. E se o problema era que a bicicleta era lenta, que tal avisar os motoristas de que uma bicicleta lenta vai passar?

Esse foi nosso primeiro contato com o lado argentino.

A experiência das hidrelétricas

Mesmo distante uns 1500 kilômetros da última hidrelétrica do Paraguai, continuo marcado pela experiência de ter visto alguns impactos causados por essas gigantices que fomos, humanos, capazes de produzir. Pra quem ainda não foi apresentado, uma usina hidrelétrica é aquela que gera eletricidade transformando a força da movimentação da água em energia elétrica. O Brasil usa muito essa matriz energética e somos ensinados desde cedo que essa é uma energia limpa.

O que esquecem de comentar, em geral, é que essas usinas são intervenções humanas no rumo das águas. Ou seja, não é possível fazer uma usina hidrelétrica sem afunilar a vazão das águas, de forma que se consiga o máximo de pressão da correnteza e da gravidade, gerando mais energia. A solução pra esse afunilamento em geral é a cisão do curso do rio. Constrói-se uma imensa represa cujo único fim é fazer com que a água ganhe mais força de correnteza e de gravidade. Essa imensa represa constuma cobrir cidades, biomas, comunidades ribeirinhas e, às vezes, litígios históricos, massacres populares e cataratas monumentais.

A usina de Itaipu, maior em geração de energia do mundo, localiza-se no rio Paraná, próximo da fronteira entre Foz do Iguaçu e Ciudad del Leste. Binacional, Itaipu nasce de um acordo entre Brasil e Paraguai e tem sua energia dividida igualmente entre os dois países. O Paraguai usa atualmente somente 8% da capacidade de Itaipu para abastecer 90% de sua população. Os outros 42% a que tem direito são vendidos ao Brasil a valores muito, mas muito abaixo dos valores de mercado. Com seus 50% de direito e os 42% comprados a preço de banana do Paraguai, o Brasil abastece 20% da nossa necessidade elétrica. Por aí já temos uma ideia da desproporção territorial entre os dois países.

Aqui começa uma reflexão: você, que está usando seu computador ou celular pra ler esse post e o microondas pra esquentar uma lazanha congelada, depende de obras faraônicas como Itaipu para existir. Nossa necessidade de energia é diária, constante e obrigatória para a maneira como vivemos. Esse é um das questões das usinas hidrelétricas, elas permitem uma forma de existência muito confortável (para quem pode pagar por energia).

No entanto, o custo ambiental dessa energia é o aumento da temperatura de regiões inteiras (vide os 4 graus que a cidade de Foz do Iguaçu ganhou após a construção de Itaipu), extinção de espécies de peixes que dependem da desova após nadar contra a correnteza (porque obviamente não é possível nadar no sentido inverso das turbinas de energia), expulsão da população que dependia essencialmente da pesca ou indiretamente da fauna da região inundada. Além desses impactos para a população e biomas locais, obras faraônicas, sobretudo no Brasil, são normalmente executadas com condições subhumanas de trabalho, alta quantidade de acidentes e praticamente nenhum planejamento quanto ao que vai ser feito da população que trabalha na sua construção (vide Brasília, a simbólica capital do nosso país).

É curioso notar como alguns dos impactos são previstos na própria construção das usinas, mas a solução deles, mesmo que de forma insuficiente, vem só muito depois da construção. Por exemplo, o curso das águas pode receber um caminho alternativo para que os peixes possam subir a correnteza. Mas no caso de Itaipu, esse caminho só foi feito mais de 20 anos depois do represamento. No caso de Yacyretá – usina hidrelétrica também binacional, também com águas do rio Paraná, mas na fronteira entre Paraguai e Argentina – criou-se uma espécie de elevador de peixes, para fazer a reconexão dos cursos. A população local conta que esse elevador é acionado só em dias de visita de políticos.

Outro impacto óbvio da presença das usinas é o que vai pra baixo d’água. Entre as cidades de Encarnación, no Paraguai, e Posadas, na Argentina, está o final do Rio Paraná, início da represa da usina de Yacyretá. A área às margens do rio foi totalmente inundada nas duas cidades, o que permitiu a transferência de indesejadas favelas, a criação de praias artificiais e o redesenho da centralidade das cidades. Em Encarnación, se você quiser nadar, existem tramos habilitados e inabilidatos. Os primeiros, são aqueles em que há investimento massivo da usina, por meio de ações junto à prefeitura, para que se forme uma espécie de orla artificial que se parece muito com uma cidade praieira. Os inabilitados são aqueles que ainda guardam em suas profundezas as casas de moradores que habitavam a região mais próxima da margem do rio. Seria o mesmo que dizer “não nade aqui, se não quiser pisar em telhados”.

A decisão de onde exatamente colocar as usinas normalmente passa por critérios que não são nada claros. Neste exato momento, o Brasil está construindo uma hidrelétrica na Amazônia (!!!!), local de reservas indígenas, bioma inigualável, tudo isso em Belo Monte, Pará. Antes disso, já construímos uma hidrelétrica que inundou a cidade histórica de Canudos, local onde aconteceu um dos mais importantes movimentos populares de vida comunitária e resistência e, posteriormente, um os maiores massacres populares – orquestrado pelo próprio governo – de nossa história. A própria Itaipu poderia ter sido construída em outros trechos do rio Paraná, inclusive integralmente no Brasil. No entanto, a usina foi construiída na fronteira com o Paraguai, o que dá margem para que vejamos essa decisão como uma espécie de acerto de contas histórico, visto que o Brasil foi um dos protagonistas do genocídio conhecido como Guerra do Paraguai, em que matamos (nós, Argentinos e Uruguaios) 90% da população masculina do Paraguai.

Essa escolha de local inundou também uma das maiores cataratas do mundo. Perto de Itaipu é fácil conseguir informação sobre as sete quedas, e no lado do Paraguai, a mesma cachoeira era conhecida como Salto Guairá. A cidade de Guaíra, no Brasil, fica exatamente ao lado de onde era esta cachoeira, hoje visível somente aos peixes que restaram nessa região. O que se escuta no Paraguai é que essa era uma área de litígio entre Brasil e Paraguai. Como se sabe, o Paraguai perdeu muitas regiões depois da Guerra. A província de Missiones e parte das províncias de Corrientes e de Santa Fé na Argentina eram território paraguaio. A cidade de Cuiabá era território paraguaio. E a região do Salto Guairá também estava entre esses territórios tomados, mas com uma represa monstruosa ninguém tem mais dúvida de onde termina o Paraguai e começa o Brasil.

Nunca veremos

Um dos lugares mais impressionantes que visitei foi a cidade de San Cosme y Damián, Paraguai, que abriga Ruínas Jesuíticas e está à margem da represa de Yacyretá. Neste trecho, são quase 40 kilômetros de uma margem até a outra. Quase no meio da represa, encontram-se dunas que são totalmente inimagináveis a quem olha o mar em que se tornou a represa. Essa dunas eram parte da paisagem nativa, composta por dezenas de ilhas no Rio Paraná. Algumas delas com dunas e a maior parte com vegetação nativa. O que vemos hoje é o que restou: apenas duas dunas, as mais altas, que gradualmente estão sendo carregadas pela represa.

As dunas de San Cosme y Damián ainda são visitáveis. Mas corra, porque ano a ano elas vão perdendo areia para a represa. A pergunta que resta é: quanto vale o nosso conforto? Ou por outra, se falamos em termos de progresso, então progresso de quem? Para onde? A que serve? Usinas hidrelétricas são o tipo de construção que demonstra o quanto estamos plenamente dependentes de uma forma de vida. E será que essa forma de vida fomos nós que escolhemos?

Ps: esse é o tipo de texto que me interessa publicar em outros lugares. Como este, escrevi também, de forma mais ficcional, um texto sobre o Parque do Zizo. Se você souber de publicações onde interessa receber esse tipo de texto, por favor entra em contato.

Ps 2: Pequeno vídeo em que o condutor do barco que nos levou até as dunas comenta sobre como os problemas poderiam ter sido evitados:

Algumas charges e tiras

Antes de retomar as postagens propriamente, cabe tirar alguns esqueletos do armário.
Quando estava para sair em viagem, fiz uma pequena seleção das charges e tiras que mais davam conta da angústia de se manter sempre trabalhando. Hoje, olho pra essas charges com algum distanciamento crítico, e vejo que elas já não me representam mais. Mesmo assim, ainda como uma arqueologia do que eu fui, vale a pena vê-las novamente. Por isso posto-as abaixo.

Primeiro uma do Laerte, quando ele ainda usava os personagens.

Caco Galhardo e o ambiente de trabalho.

Essa aqui abaixo também é do Laerte e foi meu fundo de tela até sair pra viajar.

E essa abaixo eu nunca achei o autor. Se alguém souber, por favor me avise.