Arquivos da categoria: Diário de Viagem

Missiones, Corrientes e volta ao Brasil.

Terminado o trecho do Paraguai, cruzamos para o lado argentino com as bikes num busão lotado e chegamos em Posadas num domingo à noite, se me lembro bem.

Como levar uma bike quando o exército proíbe a passagem.

Posadas, capital da Província de Misiones, tem exatamente a mesma pegada de todas as cidades médias ou grandes argentinas que encontrei até aqui. Quadras quadradinhas, de 100 metros cada. Cafés, parrillas, bancos, praça central, chineses… Fomos parar nos bombeiros da cidade, desavisados de que eram militares. Até aqui, todo o contato com os militares da Argentina pode ser qualificado como péssimo (vide a proibição de atravessar com a bicicleta) e no caso dos bombeiros da cidade de Posadas não foi diferente. Perguntados se poderíamos passar duas noites no quartel, o bombeiro lançou um “no hay drama” e fomos direcionados a um quarto de entulhos. Nele, estava um desses carrinhos de mão que se usa para carregar pesos grandes e um monte de coisas velhas do bombeiros. Arrumamos um canto pra dormir no mínimo espaço que havia e passamos a noite no local. No meio da noite, uma pessoa veio retirar o carrinho de mão e vi que era o outro ciclista sobre que os bombeiros tinham avisado.

Carrinho em que o Moizés levava as coisas dele.

Já em Encarnación, o secretário de esportes da cidade avisara que estava um ciclista equatoriano na cidade, mas não o tínhamos encontrado. Moisés era o nome do primeiro cicloviajante que encontraríamos. Um cara estranhíssimo, não só pela adaptação grosseira que fez no seu equipamento para sua viagem de bike, mas também por uma série de encanações com defesa pessoal (como ter um estilingue e treinar quedas da bike) que nunca foram (nem acho que serão) uma preocupação nossa ao longo da viagem. A princípio falou que queria fazer um record no Guinness, depois disse que pegava carona com frequência. Enfim, com o Moisés, ficou claro pra mim o que pode acontecer quando nos isolamos por muito tempo das pessoas.

A noite continuaria longa, quando às 6h30 da manhã um bombeiro veio pedir que nos apresentássemos ao comandante. Desci e qual não foi a surpresa ao saber que o tal comandante ainda não tinha chegado. Voltei a dormir e lá pelas 7h30 o mesmo soldado veio nos chamar pra fazer a apresentação. Descemos, dessa vez os dois, e o tal comandante ainda não havia chegado. Era só pra causar transtorno que a tal apresentação era solicitada. Entendemos o recado, arrumamos as coisas e seguimos pro centro, em busca da secretaria de esportes.

Isso de estar aberto a qualquer coisa que possa acontecer e de às vezes não ter mais alternativas, muitas vezes nos deixa sem uma perspectiva clara de como será o final do dia. Mas acho que é exatamente isso, o esvaziamento das possibilidades concretas, que nos faz chegar a outro lugar de abertura com as pessoas. No caminho da secretaria, uma mulher nos perguntou de onde vínhamos e fez questão de nos acompanhar até o gabinete do secretário de esportes da cidade. Menos de meia hora depois de sermos quase expulsos pelos bombeiros, eu estava tomando um mate com o secretário de esportes da cidade. Ele nos daria alojamento no anfiteatro da cidade por quantos dias quiséssemos.

Secretário de Esportes e a mulher que conhecemos na rua.

Hotel, casa, cachoeira, quartel do exército, bombeiros, fundos de um estacionamento e agora domiríamos no subsolo de um anfiteatro com vista para o Rio Paraná e a Orla da Cidade de Encarnación. Lugar incrível e inexplicável que tenha um alojamento. Passamos duas noites nesse lugar e pude fazer vários rolês pela cidade.

Vista da Orla de Encarnación, a partir de Posadas.

O que acho que mais me marcou da cidade de Posadas foi a clara distinção de raças que compõem o povo argentino e o povo paraguaio. Foi só cruzar uma ponte e deixamos de ver uma população majoritariamente indígena e passamos a ver sobretudo descendentes de italianos e espanhóis. O que os Argentinos fizeram com os índios dessa região ainda fica como incógnita, mas definitivamente é estranho.

Seguimos então pra cidade de Gobernador Virasoro, já na província de Corrientes. Em Misiones, as estradas tinham acostamento e, apesar do altíssimo movimento de caminhões e das lombadas no acostamento, era tranquilo seguir. No exato momento em que passamos a placa que anunciava a chegada da província de Corrientes, acabaram os acostamentos e tivemos que dividir pista com os caminhões. Foi um dos pedais menos prazerosos que já fiz, no limite de um torcicolo de tanto que tinha que olhar pra traz e descer pro mato com a bike super carregada.

Valeu por avisar!

Lembre-se: Ruta 14, desviar.

Em Gobernador Virasoro falamos com uma pessoa da prefeitura que nos deu abrigo no ginásio da cidade. Aí escutamos sobre a Fábrica de Erva Mate da marca Taragüi, que fica a poucos kilômetros da cidade. No dia seguinte, passamos na fábrica e foi legal conhecer um pouco mais da fixação de Argentinos, Uruguaios e Rio Grandenses pelo mate, uma erva originariamente das américas, consumida antes pelos índios e agora por todos. Voltamos à tarde pra estrada horrorosa e o pedal não rendeu muito. Paramos num posto e decidimos cruzar pro Brasil. Lá pelas 10 da noite saímos em direção a Santo Tomé, porque o fluxo da estrada finalmente tinha baixado. Realmente aí o pedal rendeu e chegamos na fronteira com São Borja lá pelas 2h da manhã.

Depois de buscar informações numa boate, seguimos em direção dos bombeiros que nos receberam e neste ponto começa o trecho do Rio Grande do Sul.

Fim do Paraguai – San Cosme e Encarnación

San Cosme foi um lugar primoroso de visitar pela história das dunas, pelo isolamento e pelas missões jesuíticas de Boaventura. Saímos da cidade depois de dois dias de acampamento e fomos diretamente a Encarnación, terceira maior cidade do Paraguai.

Orla

Ao fundo, a cidade de Posadas, do outro lado do Rio Paraná.

Apesar de bem maior, Encarnación tem um jeitão de cidade do interior do Brasil. Como já comentei no último texto, Encarnación sofreu uma reforma urbana recente, que reconstituiu sua centralidade e inundou uma parte da cidade. Fronteira com a Argentina, a cidade tem um comércio abundante, embora não comprável em escala com o de Ciudad del Leste e uma sensação de segurança inigualável no Paraguai. Não é exagero dizer que Encarnación é o exato oposto dos nossos preconceitos com relação ao Paraguai.

Chegamos à noite e procuramos a prefeitura, que estava fechada. Logo ao lado havia uma delegacia, onde os policiais nos indicaram os bombeiros voluntários amarelos de Encarnación. Sim, a profissão de bombeiro no Paraguai é mais uma predisposição do que profissão propriamente. Do comandante ao que recém entrou para o corpo, todos são voluntários. E ainda existem bombeiros amarelos e azuis, que se separaram nacionalmente em dois grupos de gestões independentes.

No quartel dos bombeiros amarelos

O quartel dos bombeiros amarelos ficava anteriormente na região que foi alagada. O terreno atual era emprestado pela Usina de Yacyretá. Nele, os bombeiros mantém 3 caminhões, todos importados. Um do Japão, um da Inglaterra e um da Holanda. O caminhão inglês tem direção do lado direito do motorista. Impressionante a adaptabilidade dos bombeiros paraguaios.

Nas três noites em que estivemos no quartel, resolvi problemas mecânicos, tomei sorvete pra caramba e dei uma entrevista pra Rádio Encarnación, a primeira da viagem. O filho de um dos locutores estava assistindo, então pedi que ele gravasse a entrevista com meu celular. Ficou meio tremido mas o resultado é esse aqui:

A parte que provavelmente se tornará o principal atrativo turístico de Encarnación é a novíssima orla, construída pela prefeitura com grana da Hidrelétrica de Yacyretá. Exemplo de como a construção do discurso oficial se faz a partir da perspectiva dos vencedores, a orla é enxergada como algo sensacional pela maior parte dos moradores da região.

Claro que fomos de bike pra praia

A tal da Orla

Pertinho de Encarnación, estão as ruínas de Trinidad e Jesús, as últimas que visitamos num dia inteiro de pedal. Infelizmente a quantidade de informações no local das ruínas era insuficiente, jogada que claramente força o visitante a ter que pagar um guia, além de pagar a entrada das ruínas. Fiquei só com as fotos e as interpretações livres. Tá valendo:

Jesús:

Campanário

No penúltimo dia, fomos checar a informação da proibição do cruzamento da ponte entre Encarnación e Posadas para pessoas em bicicleta e a pé. Definitivamente a mais surreal das proibições que encontrei em toda a viagem, esta normativa partir do exército Argentino, “por un tema de seguridad”. Fui até o lado Argentino sem a bicicleta para conversar com o oficial, e ao menos pareceu que ele fez o que pode. Ligou pro seu superior, questionou, mas prevaleceu a proibição. Terminada a conversa, deixei claro pra ele que a proibição era surreal, uma vez que por um “tema de segurança” a bicicleta não oferece risco nenhum. E se o problema era que a bicicleta era lenta, que tal avisar os motoristas de que uma bicicleta lenta vai passar?

Esse foi nosso primeiro contato com o lado argentino.

Paraguai – parte 1

Tentando relembrar o que foram as últimas duas semanas, tudo se embaralha. Estradas, países, fronteiras, pessoas, nomes, locais onde dormimos, comidas, mates e tererés… O registro contínuo se faz obrigatório porque o acúmulo é certo depois de poucos dias.

Meu atraso não pode ser justificado, mas ao menos pode ser compreendido por conta do pau que meu computador teve. Como sei que alguns cicloviajantes e pessoas que querem colocar o pé na estrada acompanham esse blogue, vale dizer que planejei levar meu computador antigo, que tem garantia estendida de 3 anos. Até aqui, tudo certo que ele tenha dado pau. Vamos ver o que a garantia me conta quando chegarmos em Buenos Aires.

Escrevo hoje da pequena cidade de Itaqui, que fica entre São Borja e Uruguaiana, todas as três às margens do Rio Uruguai. Extremo sudoeste do Brasil e fronteira com a Província de Corrientes, na Argentina. Acho que o último registro mais preciso que fizemos foi em Asunción, ainda abalados com a morte da Julie Dias.

Antes de lá, havíamos cruzado o Paraguai em três dias, entrando por Ciudad Del Este, posando em Campo Nueve, San Jose Del Arroyo e terminando em Asunción. Nesta última, fomos recebidos pelo Giulio Andreotti, músico e morador de Asunción, que faz parte do Couchsurfing. Ficamos em sua casa por três dias e saímos em direção a Encarnación, no extremo sudeste do Paraguai. No caminho, posamos em Quiindy, San Juan Bautista, entramos em San Ignacio, posamos também em Santa Rosa e duas noites em San Cosme y Damián, para enfim chegar a Encarnación.

Este trajeto nos interessava para poder conhecer minimamente o Paraguai, país por onde poucos brasileiros viajam e por onde ainda menos cicloviajantes se arriscam. A última palavra foi escolhida porque nossa imagem do Paraguai nos sugere que viajar por lá é um risco. Depois de cruzar o país e coltar, não direi o contrário, mas devo dizer que o risco é bem menor do que imaginávamos. Já nos primeiros dias, ficamos realmente surpresos (pra não dizer chocados), ao ver meninos de 13 ou 14 anos andando de moto. Nem vou dizer que estavam sem capacete, porque os adultos também não o usam, com exceção de Asunción e Ciudad Del Este. As motos são extremamente populares no interior do Paraguai, sendo os motoqueiros os que ocupam a posição de “oprimidos”. Posição que costumeiramente nós ciclistas ocupamos em cidades onde as bikes começam a aparecer. Por incrível que pareça, o caos geral causado pela quantidade e os múltiplos usos feitos da moto faz com que a média de velocidade seja mais baixa e também com que as motos estejam quase sempre no acostamento. Como cruzamos todo o Paraguai usando os acostamentos, era comum ser ultrapassado por uma delas numa daquelas finas que normalmente levamos de carros. A boa nova é que, se caíssemos, o acidente provavelmente não seria fatal. Nada aconteceu, mesmo com pessoas circulando pelos acostamentos, motos vindo na contramão, motos com famílias inteiras (vi até com 4 pessoas) e motos pilotadas por crianças. Parece, de novo, que o caos do trânsito de lá obriga as pessoas a irem mais devagar e tomarem mais cuidado.

Tipo de imagem corriqueira na Ruta 2 Fonte: http://www.abc.com.py/nota/asi-se-maneja-por-ruta-2/

A maneira como as cidades do interior do Paraguai se desenvolveram também é bem peculiar. No Brasil, estamos acostumados a pegar um acesso ou um trevo para entrar numa cidade. No Paraguai, na grande maioria das vezes, a própria estrada é a avenida principal da cidade. Giulio nos explicou que isso foi um problema de planejamento das pistas, que foram construídas exatamente sobre as antigas rotas de tropeiros, diferente das estradas brasileiras que foram construídas próximas, mas ao lado das cidades. O resultado é um misto de marginal, com cara de interior e com muitas homenagens aos mortos na estrada. No princípio, achei que o Paraguai teria a mesma quantidade de cruzes que no Brasil, mas logo no primeiro dia já desisti de registrar todas as cruzes que encontrávamos. Como disse no post anterior, a sensação é de andar por um grande cemitério.

Estávamos apreensivos quanto a onde terminaríamos dormindo, uma vez que fomos diversas vezes recepcionados pelas prefeituras e secretarias de esportes no Brasil. Por lá, no primeiro dia encontramos um brasileiro que mora no Paraguai há décadas e que nos permitiu armar a barraca no seu quintal. A cidade era Campo Nueve (ou Doctor Eulogio Estigarribia, como renomearam, mas todo mundo chama de Campo Nueve). Antes de chegar na casa, o Affonso ficou pra trás, enquanto eu seguia a moto do brasiguaio. Foi a oportunidade de usarmos pela primeira vez os radinhos que compramos em Foz do Iguaçu, exatamente pro caso de nos separarmos. Conhecemos toda a família do nosso anfitrião, ganhamos uma hamburguesa, dormimos cedo e partimos pra San José Del Arroyo.

Nesta cidade, fomos recebidos pelo diácono da igreja local. Armamos a barraca numa espécie de palco anexo à igreja, onde o ar era fresco de noite, mas que descobrimos ser uma área bem aberta à circulação de pessoas. Tivemos que revezar cuidando das coisas, o que não foi muito difícil já que não havia nada o que fazer na cidade. O curioso foi receber uma jarra de suco espontaneamente da vizinha da igreja. Eu e o Affonso às vezes brincamos que estamos jogando Zelda e que ganhamos alguns itens. Em Ponta Grossa, o Cláudio nos presenteou com duas meias de dedos, melhores para o frio. Em Cascavel, o Túlio deu Malto Dextrina ao Affonso, que serve pra repor carboidratos. Em Ibema, o Affonso recebeu um tupperware grande de comida de uma mulher e mais 10 reais de um senhor. Mais pra frente, conto também dos itens que perdemos pelo caminho.

Meias de dedo!

Ainda em San Jose del Arroyo, um raio da roda traseira do Affonso estava quebrado. E pra nossa total surpresa, não havia bicicletarias na cidade. Nenhuma. Veja como faz sentido: a criança com 12 anos já está aprendendo a usar as marchas na moto. Em todos os lugares, só existem borracharias e nenhuma bicicletaria. O calor nessa região variava entre 28 e 37 graus. Tudo isso colabora pra que não haja demanda por bicicletas, tampouco por bicicletarias. Não tínhamos a ferramenta pra sacar o cassete, e o Affonso tentou resolver com um cara que arrumava motos. Não rolou o improviso e não tínhamos confiança pra ele rodar 103 km até Asunción com o raio quebrado. A solução foi ele ir de ônibus e eu ir sozinho de bicicleta.

Saí de San Jose tarde, lá pelas 11h. Cheguei a Asunción, depois de uma parada pro almoço e três pra tomar sorvete, quando a noite já chegava. Logo na entrada, já encontrei com um mecânico que relembrou a Guerra do Paraguai. Essa imagem da guerra, bem como a guerra contra a Bolívia, forjaram o imaginário e a identidade nacional (ao menos pelo que eu pude ver) e estarão presentes durante toda a nossa passagem pelo país. Cheguei no apê do Giulio e o Affonso já estava por lá. Alguns dias de wi-fi, cidade grande e cervejas nos esperavam.

Entrando em Asunción - registro da gopro

Ficamos ao todo 3 dias e 4 noites da casa do Giulio, nas quais fomos convidados todos os dias pra sair ao pub mais próximo, com a ilustre companhia do nosso anfitrião. Giulio é editor de uma TV local e músico da orquestra municipal. Mora na região central de Asunción e conhece gente pra caramba por lá (parecia um vereador cumprimentando eleitores a cada esqina). Com ele, fomos a um pub e três restaurantes massa pra caramba. Um dos restôes, o melhor de todos, foi o Lido, que já estava super indicado pelo Gilberto Kyono. Os preços eram bem fora da curva da vida franciscana da estrada, mas nada como voltar um pouco a ter o que era o cotidiano de São Paulo.

Foi também por meio do nosso anfitrião que começamos a ouvir uma outra história do Paraguai, que só vai ganhar forma mais precisa quando saímos do país. Cabe dizer que a Guerra do Paraguai, que estudamos super pouco por aqui, matou 90% da população masculina do país, o que já dá uma idéia do tamanho da destruição que causamos. Boa parte das questões de diplomacia do Brasil são apresentadas hoje como forma de compensar os estragos da guerra, mas no geral o Paraguai continua vendendo quase a metade da energia de Itaipu super barato pro Brasil e continua no caminho do subdesenvolvimento, com seus carros importados quase sem impostos e divisão de terra extremamente concentrada.

Asunción é uma capital caótica como a São Paulo de 10 anos atrás, onde os donos de carro mandam. A única imagem da cidade que me tira esse referencial é a da comemoração do dia dos Heróis. Calhou de estarmos lá nesse feriado e fui assistir os festejos na Praça dos Heróis. Tanto a peça quanto a apresentação de dança referenciavam a morte do Marechal Solano López, assassinado pelo exército brasileiro e que deu fim à Guerra do Paraguai. Saí com essa imagem forte na cabeça: a de uma identidade nacional forjada na morte e nas derrotas. Na Guerra com a Bolívia, o Paraguai ganhou, mas cedeu territórios no acordo de paz, o que também é uma espécie de derrota. No entanto, mesmo assim eles têm um dia para comemorar seus heróis e não há uma cidade por onde passamos que não tenha uma rua “Mariscal López”.

Fim da primeira parte da viagem ao Paraguai.

Ps: As imagens desse post são meio toscas, pq as melhores ficaram presas no backup. Como o backup da apple só serve em outro macbook, to na roça.

Tags

Ainda sobre São Miguel Arcanjo, Zizo e Resistência.

Quando estive em São Miguel Arcanjo, na casa da Nê Balboni, tentei publicar esse texto numa revista de São Paulo. Acabou não rolando, então publico aqui, com um pouco mais de riqueza de detalhes que o texto original. Fotos de arquivo, minha e da Jurema.

Matias e Abaeté

O ano é 1969. Matias, 24 anos, acordou para mais um dia de muito trabalho. As semanas anteriores haviam sido pesadas, verificando cada detalhe da ação e definindo, tão cifradamente quanto possível, o grupo mínimo necessário. O banco ficava na avenida Paulista, seu grupo não estava muito longe dali, e a polícia estava cada vez mais atenta a esse tipo crime. Na sua cabeça, a certeza de que aquela seria uma entre poucas ações que dariam a base necessária para a retaguarda do comando. Matias lembrava de São Miguel Arcanjo, onde nascera, e onde sua família guardava uma boa quantidade de terras. Lembrava do sertão de sua cidade, onde cogitava treinar um grupo que fizesse seu papel histórico naquele canto do estado. Na mão, um revólver que mais estalava do que atirava. Na ação, nem todos os apelidos eram conhecidos, nem ele próprio os queria saber. Junto dele, estava Manoel – não o apelido, mas o nome – que será importante testemunha da ação.

O ano é 2012. Abaeté, 27 anos, acordou tarde, de uma noite com algum vinho e toda sorte de acepipes naturais: cevada, feijão, pepino, bolo de mandioca e ovos. No café, frutas, um violão, pão caseiro, sucos. Muitas pessoas no sítio UOAEI. Nomes de índios entre todos os amigos: Ungará, Jacira, Jurema, Itaberaba… Preparam-se pra uma expedição ao Parque do Zizo, reserva particular de Mata Atlântica da família de Abaeté, situada em São Miguel Arcanjo, parte da mata remanescente onde também se encontra no Parque Estadual Carlos Botelho. Uma noite ao lado da segunda (ou seria a terceira?) maior cachoeira do estado de São Paulo. 5 pessoas num fusca até a entrada, mais 5 kilômetros de caminhada mata a dentro. Chega uma bicicleta e, em cima dela, Manariru.

Na saída, Matias não está tão tenso quanto esperava. Sua primeira ação poderia ser a única, dependendo dos desígnios da ALN (Aliança Libertadora Nacional). Ele sabia que por nada deixaria de fazer o curso de arquitetura e que tudo que havia aprendido na engenharia daquela universidade murada seria útil de alguma forma, até que pudesse seguir o que sentia ser seu talento verdadeiro. Até lá, as armas foram sua escolha para combater um inimigo real, concreto, que parecia estar em todo lugar, no olhar dos civis que os apoiavam, nas batidas em que se cobrava a carteira de trabalho, na ostensiva repressão a tudo que fosse distinto das rígidas, e tantas vezes sem sentido, determinações militares. O fusca seguia na direção do banco escolhido, mas o barulho de sirene faria todos saírem do carro para se proteger. Do carro da polícia, grita Sérgio Fleury, que já os patrulhava há mais de três dias e os seguia desde que Matias entrara no carro.

Abaeté pergunta se Manariru tem experiência com acampamentos, se tem disposição física para passar uma noite desconfortável. Explica que a experiência será de muito silêncio, introspeção. O dono da bicicleta não titubeia em dizer que está preparado, que quer se juntar ao grupo e que talvez faça um relato para a revista da capital sobre a experiência. Abaeté então lhe empresta um saco de dormir e uma blusa. A bicicleta vai na frente, o fusca parte depois de 15 minutos. São 12 kilômetros até a entrada do Parque do Zizo, que está fechada (a chave ficou com o tio Chico, que não estava na cidade). Todos, do fusca e da bicicleta, se reencontram e juntos pulam o portão do parque, confiantes na experiência de Abaeté e na certeza de que aquela é uma reserva particular e que um dos herdeiros liderava o grupo.

Ouvem-se muitos disparos. Um deles, de fuzil, acerta Matias, mas ninguém pôde saber onde, porque o caixão de zinco com seu corpo chega lacrado. Agonizante, Matias é resgatado e jogado no carro da polícia como indigente. Levado até o DOPS, já não pensava mais na infância, nem na arquitetura, muito menos em São Miguel Arcanjo. Sabia que havia a quem proteger, que não lhe dariam tratamento e, àquela altura, só queria algum fiapo de esperança em que acreditar para sobreviver. Mas se a perda de sua vida fosse necessária para poupar outras, estava disposto a entregá-la, mesmo que achasse essa a situação mais injusta que poderia conceber. No DOPS, a primeira hora de sangramento foi infinita. Colocado em uma posição em que podia ver o próprio sangue, pediam-lhe nomes do grupo e ele não os sabia. Perguntavam de pessoas que ele não via há anos e apanhava ao negar cada pergunta.

Nos primeiros passos, o grupo descobre que esqueceu a comida. Somam-se os víveres e temos um caixo de uvas, um saco de castanhas do pará, um pão grande e três cenouras para 6 pessoas e três refeições. Tudo é racionado e o que era silêncio de instropeção, vai se tornando silêncio de quem guarda energia. A natureza completa o banquete com bananas verdes. Todas as relações são ritualizadas. Para começar a caminhada, dá-se as mãos em roda. Para acender a fogueira, dá-se as
mão em roda. Para ir para a cachoeira, todos devem dizer sim. Frente ao imenso jorro de água, distribuído em diversas quedas, o grupo não se contém nos gritos de alegria. Tiram as roupas, nadam, dormem ao Sol, fotografam-se, banham-se e dão-se as mãos, em roda.

Duas horas depois, Matias entra numa espécie de nirvana. Seu pensamento persiste, embora seu corpo já não responda a mais nada. Rubens Tucunduva, delegado que o interrogava, já tinha desistido de jogar-lhe água fria e pede ao cabo que desse um banho no corpo e que o levasse ao Hospital das Clínicas. Matias ouve toda a conversa e pensa que chegou o momento de sobreviver, de talvez ir para Cuba, mas antes passar em São Miguel, abraçar a mãe e os irmãos, explicar por que não entrou em contato nos últimos dois anos, dizer que era arquitetura (já sabia!), que tinha tido amores e que teria outros, que não gostava do cheiro de pólvora, que não vendessem as terras, que queria ouvir os muriquis mais uma vez, que o Lamarca era mesmo aquilo que imaginavam, que esperassem um pouco mais e estivessem prontos porque o mundo não podia ficar daquele jeito pra sempre. Não precisava mais da arma que não atirava direito. Nunca quis matar. Nunca quis morrer.

À noite, fogueira alta, e um grande ritual de benção de objetos pela natureza. Cortam-se folhas de bananeiras, arma-se uma rede e todos encontram seu lugar. Abaeté sabe que aquilo é um oásis, mas que não é mantido com pouco esforço. Tem a certeza de que a própria ocupação da área já era uma posição política. No dia seguinte, mais um banho em nova cachoeira, mais mãos dadas em roda, fotos e a última refeição: 3 uvas, 4 castanhas do pará, 5 pedaços pequenos de cenoura, algumas bananas verdes cozidas e 50 gramas de pão por pessoa. Todos sabem que dormiram mal, que comeram pouco, mas ninguém reclama.

Os legistas Antônio e Irany recebem o corpo de Matias, que fora encaminhado ao Hospital das Clínicas já desfalecido e que está sob a responsabilidade do IML. Causa mortis: tiro de fuzil. Havia, no entanto, outras escoliações, que Antônio advertiu Irany para que não descrevesse, porque não teriam causado a morte. Na ficha, mais informações sobre sua vida do que Matias jamais teria pensado. Já tinham seu nome, sua cidade natal, os nomes dos integrantes de sua família e agora adicionavam o dia em que expirou. Lacrado o caixão de zinco, sua mãe o recebe em São Miguel Arcanjo. O soldado se comisera da mãe que chora, mas não deixa de cumprir a ordem de avisar que aquele era um ladrão, que fora morto como um meliante porque mereceu, que assaltava bancos e que representava um perigo. Diz que não acredita que a mãe o havia educado assim, mas que não pode fazer nada se o indivíduo é ladrão.

Na volta, os 5 kilômetros finais parecem ter dobrado de tamanho. Os roncos dos estômagos faziam um coro mais alto do que os 600 muriquis remanescentes no parque. Abaeté chega ao portão trancado que haviam pulado. Antes de sair, pede que Manariru encha o cantil de alumínio que carregava. O companheiro de guerra o completa, mas não consegue fechar a tampa. Abaeté pergunta se Manariru sabe quem foi Lamarca. Abaeté explica que aquele fora o cantil de Lamarca, quando ele ainda fazia parte do Exército Brasileiro. Lamarca passou naquele mesmo parque fazendo uma das últimas patrulhas com seu batalhão, antes de desertar com a Kombi lotada de fuzis armados leves. Deixara o cantil ao avô de Abaeté, que era guarda florestal. Do avô ao tio, que partiu aos Estados Unidos, e deste para Abaeté, que o mantinha até hoje.

Somente em 1996, Matias será reconhecido como um dos assassinados pela ditadura militar brasileira. Seu nome, Luiz Fogaça Balboni, passa a figurar na página 70 do Livro dos Mortos e Desaparecidos políticos a partir de 1964. Em 1997, ou 28 anos depois da morte, Manoel Cyrillo, que estava na ação, encontra a família do companheiro de luta e explica a que horas tudo aconteceu. Os elos vão se fechando e fica evidente que o rapaz fora torturado antes de morrer. Em fevereiro de 1998, a família recebe 120 mil reais, segundo relatos no site do Parque do Zizo (ou seriam 250 mil dólares, nas palavras de Abaeté), como indenização pela morte do filho. Em 1999, um vereador de Itapetininga propõe que uma rua ganhe o nome de Luiz Fogaça Balboni. No mesmo ano, a família dele decide utilizar o valor da indenização numa reserva conservada de Mata Atlântica em São Miguel Arcanjo – é criado o Parque do Zizo (apelido de Luiz Fogaça Balboni). Em 2011, é criado o sítio UOAEI, mantido por Rafael Vasconcelos Balboni, o Abaeté, onde são desenvolvidos projetos de agricultura sustentável e defesa do Parque do Zizo.

Abaeté diz que é de paz, mas já teve que tirar peixeira pra proteger o parque contra palmiteiros. Relata que a questão fundiária e a grilagem continuam sendo constantes na região, mesmo com a criação do Parque do Zizo e com o Parque Estadual Carlos Botelho. Revolta-se contra a ignorância de quem não entende que uma árvore de palmito demora 12 anos para estar no ponto de colheita. Não se conforma que as pessoas não preocupem que os macacos Muriqui, os maiores da América Latina, estejam em extinção e que aquela área, onde residem, não seja devidamente conservada pelo Estado. Um jovem de 27 anos escolhe o caminho da aproximação do parque e isolamento da cidade, onde toca seus projetos e vivências ligados à natureza. Ao fim de seu desabafo e atento ao cantil que carregava na mochila, emenda: a luta continua, companheiro.

Dois barbudos-bronzeados no templo do capitalismo

A Juliene, minha namorada, colou em Cascavel e Foz do Iguaçu pra encontrar com a gente no carnaval. Desse encontro, saiu um breve relato dela sobre esse lugar absurdo que é a tripla fronteira. Publico o relato abaixo. Depois adiciono fotos.

Viajar de bicicleta bronzeia. Quando encontrei aquele moço galego com quem compartilhei 90% dos meus dias nos últimos anos, quase não reconheci. Barba + sujeira de estrada + muito sol na pele todo santo dia fizeram um rosto novo. Bonito. Marca de uma vida diversa.

De São Paulo a Cascavel foram cerca de 12 horas de viagem de Carnaval em um busão promocional beeeem ruim – quase o mesmo número em horas que Fabrício e Affonso usaram em dias no mesmo percurso. A conclusão é que os motores “pulam” muitas possibilidades nessa vida. E que eles mentem. A velocidade deles mente o tempo da vida.

De Cascavel, partindo da deliciosa casa do Túlio (que nos recebeu pelo Couchsurfing – oba! Obrigada!), seguimos para Foz do Iguaçu – os maluco de bike e eu de busão. Eles chegaram quase uma hora antes de mim em Foz. Eu saí de Cascavel quase 8 horas depois deles.

O quadradinho da janela do ônibus não me impediu de sentir a aproximação do templo do consumo sem impostos (ou quase sem impostos). Ai, o Paraguai. Para o quê?

Desde muitos quilômetros antes da fronteira, outdoors gigantes nos contam tudo o que podemos encontrar no paraíso. Tudo escrito no imperativo. Compre, conheça, compre, veja, compre, vá, compre, encontre, compre. A percepção veio meio lenta, distraída – eu estava escrevendo versos sobre solidão. De repente, percebi a cabeça acelerar e notei que eu estava repetindo mentalmente uma série de frases sobre as quais não tinha refletido. Compre, conheça, compre, veja, compre, vá, compre, encontre, compre. O melhor “não sei o quê”, o mais novo “não sei o que lá”, o maior “não sei mais o quê”, o mais visitado “não sei mais o que lá”.

Em vez de correr pra Monaliza (a loja campeã em quantidade de anúncios na estrada), corremos para a família ainda desconhecida do Fabrício. Os Muriana são muitos e bons em Foz e não existe sensação mais aconchegante na vida do que casa de vó. E estivemos lindos dias na casa da Muriana, avó de Luiza, Xandinho e Angelo.

 

Nos primeiros dias, trocamos a abundância de produtos pela abundância de água e os meninos trocaram as bicicletas pelo carro na carona da Ju em um dos dias e do Xande no outro dia.

Primeira parada: Usina Hidrelétrica Itaipú Binacional. Além de todo o impacto ambiental que já conhecíamos de ouvir falar e da complexidade das negociações entre Brasil e Paraguai (dívidas de guerra, questões territoriais, etc), uma novidade triste: um pouco acima da Usina, ainda nas águas do Rio Paraná, existia, antes da construção da barragem, Sete Quedas, um conjunto de quedas d’água provavelmente maior em volume do que as mundialmente conhecidas Cataratas do Iguaçu. A belezura toda foi afundada 1982, como resultado do trabalho de mais de 40 mil pessoas que construíram Itaipu.

Segunda parada: Cataratas do Iguaçú, passeio pela estrutura do lado argentino das Cataratas – ponto de vista mais privilegiado que o nosso. É praticamente impossível explicar o que é uma queda d’água daquele tamanho. Os olhos ficam cheios e ainda sobra água pra ver. Nas junções entre quedas, às vezes, fica impossível estabelecer fronteiras, tudo se confunde, a visão fica bagunçada, a água puxa o olhar pra baixo até o rio. É coisa demais pra olho humano. Uma das coisas mais bonitas que já vi na vida.

Nada me tirava da cabeça a imagem puramente idealizada do que deveriam ser as Sete Quedas, que deixaram de existir por decisão humana e em nome do “desenvolvimento”. Fabrício fez uma observação que ainda me assusta: de certo modo, parece que a barragem de Itaipú mimetiza as Cataratas, copia (feiamente, convenhamos) a natureza, as barreiras naturais. Quase daria pra confundir, se uma coisa não fosse relativa a vidas e outra relativa a mortes (145 de trabalhadores, segundo um dos operários que fez parte da construção e nos acompanhou na visita. Sem contar peixes, pássaros, onças, …).

E falando em coisas relativas à morte… vistas as cataratas do rio Iguaçu (e a histeria turística de fotos e poses em seu entorno), o resto… o resto é comércio. O resto é dinheiro. O resto é trabalho absolutamente indigno, mal pago, mal valorizado, mal aplicado, mal planejado de Ciudad del Este. O resto é uma vontade contraditória de que o rio invadisse justamente aquele lugar fronteiriço em que o sistema de valores que vivemos ganha vida em cada cantinho e se mostra, pelo menos pra mim, enorme e poderoso. O resto são pessoas virando mercadoria, trabalho virando mercadoria, vida virando mercadoria. Cotação de dólar, cheiro de desconfiança, seguranças hiper-armados contra-quem? O resto é a pressão para que você tente ter tudo aquilo de que você não precisa. O resto é, portanto, relativo à morte. Porque o dinheiro e a mercadoria são mortos. E boa parte das pessoas está mais preocupada com dinheiro e mercadoria do que com pessoas. (A outra parte não está preocupando-se, está vendendo barato seu sangue e suor).

São Miguel Arcanjo, Capão Bonito e Itapeva

 DOENÇAS – Há alguns anos, numa época em que minha cabeça criava trocadilhos e brincava de pensar paradoxos quase todo dia, lembro que o Giovanni (amigo da época do curso de artes plásticas) veio com essa: “Li na internet que existe uma doença relacionada a quem cria mais de 3 ou 4 trocadilhos por dia”. Beleza, então eu era doente, tava sabendo desde aquele momento, e fiquei até feliz em saber da doença.

Tô contando isso pra introduzir um desses paradoxos que desenterrei da memória durante os dias em São Miguel Arcanjo, onde acabamos ficando  5 dias por conta de vários problemas de saúde que tive e fizeram a gente parar. Se eu penso: “A sorte tem muito azar” e na sequência: “O azar tem muita sorte”, ao fim me dá a impressão que o azar leva uma pequena vantagem. Mas isso é só um jogo de linguagem.

O fato é que ficaríamos só uma noite em São Miguel, na casa da Ne, mãe de uma ex-colega de trabalho. Na manhã seguinte à nossa chegada, ao acordar e pensando já em sair, uma dor entre a cintura e a coxa da minha perna direita que já existia desde Pilar do Sul mas não chegou a comprometer nada, se impôs e me fez mancar o dia todo. Adiamos então nossa partida. Fui ao posto médico e me disseram que estava com tendinite, uma inflamação do tendão. Recomendaram uma semana de repouso, injeção no bumbum e uns remédios anti-inflamatórios (não tomo remédios há anos, mas tomei).

Ficamos mais uma noite na Ne, e já no dia seguinte, além da dor da tendinite, acordei com o pulmão arranhando por causa de uma crise de asma súbita, e dez minutos sob o sol causaram uma reação alérgica horrorosa na pele do corpo todo que só está começando a melhorar agora, após quase uma semana do primeiro diagnóstico. Tanto a asma quanto a reação alérgica ao sol foram reações colaterais ao remédio anti-inflamatório. Até uma médica, a quarta que consultei durante essa saga da tendinite (na verdade, foi uma bursite) me disse: “Menino, que azar..”

O último episódio das doenças (espero eu) foi o da minha bicicleta; afinal, numa viagem como a nossa, o ciclista e a bicicleta são uma coisa só, e não duvido que os problemas com a minha corrente, além de terem me obrigado a gastar muito mais energia nas pedaladas do que eu deveria, foram parte da causa da minha bursite. No terceiro dia em São Miguel, levei a bicicleta pro Magrão, um mecânico local, dar uma avaliada. Ele resolveu a questão: a corrente que eu estava usando era pra um câmbio de 21 marchas, e eu estou usando 27 marchas. Isso explicava muita coisa, e o que mais me intrigava foi como que esse detalhe crucial passou despercebido por mim e pelo Fabrício na hora da compra da corrente, pelo mecânico que montou minha bicicleta em São Paulo (desatenção ou negligência), e também pelo Airton (o mecânico paraplégico de Pilar do Sul).  Comprei uma corrente nova e pela primeira vez senti como pedalar naquela bicicleta deveria ser desde o início; a diferença na pedalada, na troca das marchas, no esforço, eram brutais. Se nos primeiros dias de viagem cheguei a pensar (até escrevi aqui no post) que algum sofrimento faz parte da viagem, hoje eu diria de outra forma: há sim muito esforço, mas se há sofrimento há algum problema. Mesmo as inúmeras subidas, que nos primeiros dias me faziam pensar no Sísifo o tempo todo (Sísifo é aquela figura mitológica condenada a carregar uma pedra montanha acima pela eternidade), hoje, com a bicicleta redondinha, e mesmo com quase 30 quilos de bagagem, são só uma questão de paciência e perseverança.

HÉLIO E VANDA de SÃO MIGUEL ARCANJO – Logo ao chegarmos em São Miguel, antes mesmo de chegarmos na casa da Ne, fomos abordados na rua por um ciclista muito simpático e todo equipado: “Opa, cicloturistas! Vindos de onde?”. Era o Hélio, que trabalha numa loja de conveniências/padaria em São Miguel com a mulher Vanda, e organiza viagens de bicicleta com um pequeno grupo de ciclistas de São Miguel. O Hélio fez questão de nos mostrar os roteiros ciclísticos que já realizaram, apresentar o grupo de mulheres ciclistas de São Miguel (7 ou 8 mulheres, incluindo a Vanda), e de nos dar todo tipo de assistência durante nossa estadia: nos levou até a casa da Ne, me levou até o posto de saúde, ofereceu café da manhã, sugeriu o mecânico pra bicicleta. Essa figuras, que aparecem do nada e tem sido até constantes na nossa viagem, não dão chances pro azar levar vantagem.

SEU BENEDITO/D. ANA/EVANDRO de S.Miguel ARCANJO – Após quatro noites dormindo na Ne, muito mais do que o previsto inicialmente, conseguimos uma nova hospedagem em São Miguel para passarmos a última noite antes de retomarmos a viagem rumo a Capão Bonito. E foi num lugar intrigante: o contato eram os pais do Éder, amigo de amigos meus da Usp. No telefone, a dona Ana e o Seu Benedito nos orientavam para que fossemos pra perto da fábrica de chá. Fomos e ficamos rodando ao redor da fábrica, até descobrirmos que ele moravam dentro mesmo do terreno da fábrica da Yamamotoyama, a mesma marca de chá verde e ban-chá que costumo tomar no dia-a-dia em São Paulo. Era domingo e a fábrica não estava funcionando; o Seu Benedito era o administrador da fábrica, bebia diariamente o chá pra avaliar se a qualidade e o sabor estavam de acordo com os padrões da marca. Foram extremamente gentis conosco, nos deram almoço, jantar, café da manhã, atenção e um quarto pra dormir.

A IMAGEM DO CICLO-VIAJANTE E DO CICLISTA – Nos dias de repouso em São Miguel pudemos reparar na enorme diferença  de abordagem das pessoas locais  em relação a nós quando estamos com a bicicleta carregada com as bagagens (alforjes, barraca, sacos de dormir, etc), e quando estamos pedalando descarregados. Como disse o Fatício, há algo de performático na figura do ciclo-viajante, e que inspira imediatamente qualquer pessoa a se perguntar (ou a nos perguntar): “Vem de onde?”, “Vão pra onde?”, “Precisam de ajuda?”, “Tão pagando promessa?”. E outras: “Ai, que dor nas perna!”, “Que coragem!”, “Soorte procêis!”. A comunicação com praticamente qualquer pessoa é imediata, não parece haver qualquer julgamento em relação à nossa condição social.  Mas se estamos pedalando sem as bagagens, paradoxalmente me sinto mais vulnerável: nos tornamos de certa forma alvo de olhares que ou censuram, ou invejam, pois de repente somos os caras com as bike boa, da hora, toda incrementada. Nas estradas os caminhoneiros dão então menos atenção a nós, e isso é sempre um grande risco. E, de modo geral, toda pergunta quanto a nossa origem ou destino cessa nas pessoas com quem cruzamos, deixamos de ser viajantes.

RETORNO À ESTRADA, RUMO A CAPÃO BONITO – Após os 5 dias parados em S. Miguel, retornamos à estrada em direção a Capão Bonito. Não sei se pela enorme vontade de voltar pra estrada, ou pelo vento da manhãzinha que é sempre bom, ou por que finalmente minha bicicleta estava rodando como deveria, todo o caminho até Capão Bonito foi uma delícia de ser percorrido, muito leve pra mim. Chegamos em Capão Bonito ao meio-dia, almoçamos na praça central, e em seguida fomos buscar uma bicicletaria pra tentar arranjar um pézinho/descanso pra bicicleta do Fatício. A dona da bicicletaria era a Lurdes, mais uma dessas figuras partidárias da nossa sorte. Enquanto o Fatício resolvia com o mecânico as questões da bicicleta dele, eu conversava com a Lurdes e a Dani (filha, que também atende na loja) sobre nossa viagem, até que perguntei sobre um lugar baratinho pra passarmos a noite. “Humm, deixa ver.. Tem aquela pensãozinha aqui atrás. Devem cobrar uns 20 reais.” Comentei que 20 era muito pra nós, que não fazíamos questão de conforto e só passaríamos aquela noite na cidade, partindo na manhã seguinte. A Dani comentou com a mãe: “Imagina mãe, se eles forem gastar 20 reais todo dia até chegar no Canadá, aí eles tão lascado”. Daí ligou um motorzinho interno na Lurdes, que pegou o telefone e ligou pro Secretário de Esportes e Cultura de Capão Bonito. Em poucos minutos de ligação, ela nos arranjou um contato com o Secretário, uma reportagem no jornal local, um quarto de hotel pra dormirmos (com café da manhã incluso), e à noite nos preparou uma janta ótima.

ITAPEVA – Acordamos 5:30 no Hotel Regina em Capão Bonito, fizemos a consagração do estômago no café da manhã bem servido do hotel, e partimos umas 6:30 rumo a Itapeva. O cenário ao longo das estradas é quase sempre o mesmo: quilômetros e mais quilômetros de plantações de eucalipto ou pinho, soja, e eventualmente milho. Os grãos, sempre transgênicos, e o eucalipto e pinho sempre pra corte. Quase não havia mata nativa nas laterais das estradas. Faltando alguns quilômetros até chegarmos em Itapeva, paramos em Itararé pra almoçarmos, e seguimos adiante. Chegando em Itapeva umas 14:00, fomos direto procurar a Secretaria de Esportes local, pra buscar apoio. Não vou negar que mais uma vez conseguimos hospedagem, mas foi osso: esperamos quase duas horas o Secretário de Esportes local chegar, mais meia hora até ele nos chamar na sala dele, fazer todo um discurso politiqueiro, sobre as glórias do time de futsal de Itapeva, e pra falarmos deles nas próximas cidades, etc. Acabamos sabendo que poderíamos dormir numa casa cedida ao time de futsal da cidade, mas para isso tivemos que esperar mais quase uma hora até o secretário liberar o Luís (técnico do time de futsal) da sala dele pra que nos mostrasse o caminho até a casa. Chegando lá, uma casa mais ou menos sucateada, inteira cheirando a mijo, um banheiro que não era limpo há muito tempo, mas que ainda assim serviria pra passarmos a noite.

Mais informações, aguarde o próximo versículo…

Airton

Em Pilar do Sul, cidade que já deixamos pra trás, enquanto o Affonso estava acamado, fui tentar resolver o problema da corrente da bike dele. Coisa bem estranha, uma corrente nova que estava bastante travada e não girava em alguns elos.

Nessa busca aleatória de bicicletarias, fui parar na casa do Airton. O rapaz trabalha num quintal (tem até uma churrasqueira), com um monte de bicicletas encostadas umas nas outras. Lá no fundo, é possível ver um pequeno pomar, e, antes dele, um imenso latão onde ele empilha peças velhas de bicicleta.

Airton trabalhou pelo menos uma hora na corrente do Affonso. Lubrificou com óleo singer (que eu sei que é inapropriado, mas era o que tinha), alargou os elos travados, desmontou os pneus pra mim e eu coloquei as fitas anti-furo. Ele montou tudo de volta. Ao final deixou claro: “não tá 100%, mas eu não tenho uma corrente nova aqui, então é o melhor que eu podia fazer”.

Enquanto estávamos juntos, Airton recebeu cerca de 12 clientes. Quase todos moleques, aos quais respondeu igualmente: “as peças não chegaram ainda, distribuidor vem mais tarde, passa amanhã faz favor”. O interior tem essa coisa de uma outra velocidade.

Até aqui, nada de novo no descritivo. Mas o que é curioso dessa experiência foi ver toda uma oficina de bicicletas adaptada a um mecânico com deficiência física. Se não me falhe a memória do que Airton me contou, ele sofreu um acidente de carro aos 19 anos e perdeu o movimento das pernas. Ficou três anos sem fazer nada e aos poucos começou a achar coisas de que gostava de fazer.

Contou que fazia pipas, papagaios, carrinhos de rolemã pra molecada e foi nesse momento em que ele começou a arrumar algumas bicicletas. Pouco a pouco, a molecada começou a trazer mais bikes e ele sacou que dava pra ganhar alguma grana com aquela ocupação. Há seis anos, ele é mecânico de bikes.

Enquanto falava da sua história, Airton foi especialmente enfático no episódio da compra mínima. Pra passar a ter uma bicicletaria, é necessário ter estoque. A primeira compra para estoque tinha que ser de mais de 360 reais e ele comentou do apuro que passou porque não sabia se faria suficientes trabalhos pra pagar a soma. Ao fim, ele conseguiu pagar a primeira compra e desde então vem mantendo essa oficina que é bastante conhecida em Pilar do Sul.

Eu não queria fazer juízos sobre essa história nem tirar conclusões. Queria só ressaltar uma cronologia: uma pessoa que perde o movimento das pernas por conta de um acidente de carro e passa a arrumar bicicletas, que ele próprio nunca poderá usar.

Pilar do Sul, insolação, brilhos no olhar e umas reflexões soltas

Poucas semanas antes de partirmos pra viagem, num dos encontros que tivemos com o Arthur Simões (amigo ciclista que realizou uma volta ao mundo: http://pedalnaestrada.com.br/), a Juli, namorada do Fatício, reparou sobre ele: “O olho brilha. Parece que tá vivo o tempo todo˜.

Nào é minha intenção idealizar a viagem de bicicleta: há muito esforço, as vezes (ou muitas vezes) sofrimento mesmo. Uma das primeiras características desse tipo de viagem que reparamos após só 2 dias de pedaladas é que aproximadamente 70% do tempo da viagem (na estrada) será gasto em subidas.

Que isso não desencoraje ninguém a fazer uma viagem dessas. Nesses primeiros dias, talvez a experiencia mais intensa que tivemos foi comer e beber água (e intensidade é a palavra pra essa viagem, pro bem ou pro mal). Poucas vezes um gole de água foi tão cheio de sabor; pela maçã que comemos na estrada eu largava o paraíso fácil fácil; e a banana que rachamos, apesar de eu ser mó hetero, nunca entrou tão bem no meu corpo (perdão…).

Há uma revalorização de quase tudo, e ganha mais valor o que é pra nós o essencial: água, comida, as bicicletas, o Fabrício pra mim (e talvez eu pra ele), a bagagem e equipamentos, os lugares, as pessoas e nossa relação com elas. E, claro, as breves mensagens que trocamos com nossa família e amigos são sempre fortes emoções, nível aguenta-coração.

Hoje o Fatício enviou por mim pelo correio quase 6 quilos de coisas que me pareceram menos necessárias, pela urgencia de diminuir o peso excessivo da bicicleta: um xilifone infantil pra arrasar no Caribe, três livros, umas bugigangas, e o que me pareceu mais sintomático: as chaves de casa. Da tríade de ferro que acompanha o corpo de todo morador de uma cidade (chaves, carteira com documentos e grana, e o recente celular, que grudou e não larga mais), superei as chaves, e até o celular já tá mais ou menos condenado.

180 km de pedaladas em dois dias, após semanas de correrias em São Paulo por bancos, bicicletarias, hospitais para vacinas, lojas, entrega da casa alugada (um stress violento), e horas, horas de pequisa na internet, é claro que o choque viria. Na noite de ontem, após um banho de água morna, troquei o chuveiro pra “inverno” e deixei a água bem quente cair nas pernas pra aliviar a fadiga muscular. Foi ótimo, fiquei até orgulhoso que eu já sabia de algum jeito me cuidar sozinho. Não durou meia hora e a temperatura do corpo subiu absurdamente. Fui dormir ardendo em febre, e acordei no terceiro dia com 39,5 C de febre. Tivemos que tirar o terceiro dia pra repouso (por isso tá dando pra escrever esse texto). Eu já havia tido uma leve insolação na primeira noite, que não me impediu de nada.

Image

Provavelmente, se não fosse pela ajuda do José Eduardo Paes, que cruzou de carro conosco na estrada entre Piedade e Pilar do Sul, e em Pilar nos reencontramos e ele fez questão de pagar espetinhos de frango, refrescos, e uma noite num hotel da cidade, eu estaria num perrengue grande por conta da insolação súbita. Queria agradecer o Eduardo aqui: seu gesto é do tamanho da nossa gratidão, obrigado mesmo.

O viajante de bicicleta em geral inspira a solidariedade das pessoas, talvez até mais do que um caminhante, que pode inspirar medo ou receio de que seja um louco, perdido. Tem sido comum encontrarmos pessoas dispostas a nos ajudar, ou que param pra conversar, perguntar pra onde vamos, de onde estamos vindo. E é provável que a frase mais constante que falaremos ao longo da viagem para as pessoas que encontrarmos será: “voce pode me dar um pouco de água?”. Pra mim, não existe pedido mais “humano” que este, e as grandes cidades (claro que penso em São Paulo) inspiram as pessoas a negarem esse pedido; negar água é ao mesmo tempo a expressão mínima e máxima da maldade com o outro. Espero não passarmos por isso.

Então o que faria o olho do Arthur brilhar com tanta intensidade, e que também pude perceber no olhar de duas outras pessoas que rodaram o mundo de bike, o Argus e o Antonio Olinto? Vou chutar: saúde talvez (física, mental, espiritual); ou porque a atenção deve estar alerta a cada instante, à altura do momento, e isso lhes deu a qualidade de uma “presença no presente” pouco comum; ou porque o viajante de bicicleta não é um ser totalmente autônomo, depende ainda muito de outras pessoas pra continuar, e após anos de viagem esses olhares carregam esse reconhecimento; ou porque praticamente todas as escolhas deles durante anos foram definidas por eles mesmos, o que me faz supor que nos momentos em que nos encontramos com o Arthur, o Argus ou o Olinto, eles estavam lá porque queriam estar. Posso ficar supondo por horas sobre os motivos dos olhares deles serem desse jeito, mas o resumo é que, mesmo com todo o cansaço de uma viagem dessas, a escolha deles (e agora também nossa) pelas nossas liberdade e vontade, e acima de tudo, pra viver o que se espera da própria vida, devem mesmo revalorizar o olhar, que, dizem, é a janela da alma.

Hoje, por conta da febre, meu olhar tá murcho e cinza. Tentarei melhorar.

Affonso

Primeiros dias

São 00h39, Affonso ronca na cama ao lado. Estamos no hotel Pilar, em Pilar do Sul, sudoeste de São Paulo e esse é o fim do segundo dia de viagem.

Erramos tudo no primeiro dia. Quisemos fazer um caminho por Taboão da Serra e Embu, que foi massa de conhecer e almoçar, mas fomos parar na periferia de Cotia, que deve ser a perifa de relevo mais acidentado do Estado. Surreais as ladeiras de terra que pegamos. Isso nos atrasou bastante e fomos parar em Ibiuna às 22h! Só precisou de um dia pra entendermos que não vamos mais pedalar de noite.

No mais, fomos recebidos por uma família porreta em São Roque: Thaís, e seus filhos Ulisses e Júlia. Eles nos ofereceram toda sorte de comida orgânica e comemos feito bodes que são soltos depois de dormir amarrados. Impressionante como o sabor das coisas é totalmente diferente, não só pela comida orgânica, mas pela necessidade primordial de alimentar-se bem. O cansaço era muito maior do que o previsto, mas tínhamos dois sofás pra descansar e estávamos enfim com o pé na estrada.

No segundo dia, rumamos pra São Miguel Arcanjo, mas quem disse que chegaríamos? No caminho vimos cobras mortas, macacos na beira da pista, muitos rios e as subidas pareciam não acabar nunca. Diversas pessoas perguntando onde íamos, buzinando, dando força. Um ciloviajante é meio que um ET mesmo. Acabamos posando em Pilar do Sul, onde estávamos prontos pra acampar, mas por uma sorte dessas que não acontecem duas vezes, uma pessoa pagou o hotel pra nós. Explico essa história na próxima postagem.

Preciso muito agradecer um monte de gente: ao Mau pela câmera emprestada, ao Vitor e à Sheila e família pelo incrível curso intensivo de primeiros-socorros e findi em Indaiatuba, ao Arthur pelos três encontros que nos ajudaram demais, à Julie, pq ela é linda, ao pessoal da Bicicletaria Nobre que deixou minha bike nos trinks, ao Ourinhos pela formatação do projeto comercial da viagem, ao Palmas e ao Silas pelo help informal na oficina Mão na Roda e a todo mundo que está se envolvendo de uma maneira ou de outra. Disse e repito: energia boa nunca é demais.

No mais, eu queria que essa postagem fosse um jorro. Queria que chovesse uma garoa morna e que todo mundo saísse pra dançar em São Paulo. Queria que todo mundo pudesse compartilhar as imagens, as dores e o suor do que vivemos em tão pouco tempo. Sim, talvez um mundo com mais bicicletas fosse realmente menos ruim.

Ps: um poema pra quem está pensando em viajar.

Tags

Ushuaialaska – onde tudo começa

Este é o primeiro post de uma longa viagem que, por enquanto ainda está em planos, mas que em janeiro deve se tornar realidade.

Ushuaialaska, a amálgama de palavras que compõe provisoriamente o nome do projeto, é a metáfora das Américas unidas, como um só continente, espécie de estrada que pretendemos percorrer no próximo ano.

Parece que 2012 é o ano do fim do mundo, então não tem ano melhor pra chegar até onde o mundo termina literalmente: Ushuaia, cidade mais ao Sul da Argentina. Depois vamos subir pelas América até o Alaska… ou até onde der né, pq sabe cumé? No fim do ano vai estar um frio da porra lá na terra dos yankees e dos alces.

A ideia inicial é fazer deste espaço uma espécie de diário de viagem, junto com as informações mais essenciais a quem queira fazer uma viagem parecida. Se é pra ser útil a outros viajantes, o mais importante é contar o que deu errado, situações em que a gente passa perrengue e mais aprende. Então não precisa ficar com dó. Se contarmos aqui algo muito escabroso, lembre que sobrevivemos pra contar 😉

Vou eu, Fabrício Muriana, formado em comunicação social, graduando em Filosofia (tranquei, né, fazer o quê?), semi-alfabetizado, ciclista urbano, ator profissional a contra-gosto, uma das pessoas que ajudou a criar o projeto das Coletivas, que pirou em algumas ideias do Ônibus Hacker, que participa há alguns anos da Metareciclagem e da Bicicletada de São Paulo. Enfim, que acha mór legal o atual momento político da América Latina.

Vai também o Affonso Prado (ou como eu o vejo), artista plástico, baterista, pandeirista, desenhista, ex-aluno do exército brasileiro, carioca de nascença (só de nascença), roda por São Paulo com uma Peugeut 10 de mais de 20 anos. Amigo que conheci no colegial e que topou o ano sabático dando rolê-nas-américa. Também está no projeto das Coletivas desde o começo e cedeu um pedaço da casa para oficina!