Acho que já dava saber de antemão que teríamos muitas situações definidas por contingências. Ou seja, não dá pra prever tudo, mas todos os dias precisamos beber água, comer, dormir etc. Sempre que der, precisamos tomar banho, acessar internet, dormir confortavelmente. Sempre que houver a oportunidade, vamos nadar em alguma cachoeira, conhecer alguém interessante, aprender um pouco mais de bicicletas e sobre um Brasil distante do nosso cotidiano.
Antes de sair em viagem, eu nunca tinha ouvido falar em Sengés, cidade do noroeste do Paraná, vizinha de Itararé, esta última no estado de São Paulo. Não soube da cidade nem em 2010, quando ela passou por uma imensa inundação que matou quatro pessoas e colocou debaixo d’água praticamente todo o seu centro. Nunca ouvi sobre suas cachoeiras e suas paisagens naturais. E talvez não descobriria tudo isso se não fossem a viagem e algumas pessoas que conhecemos lá.
Em Itararé, onde almoçamos, havia fotos das cachoeiras de Sengés num restaurante. Chegamos à cidade com Sol a pino. 38.9 graus era a temperatura que marcava no GPS. Fomos à biblioteca, onde é feita a gestão de cultura (pelo que entendemos, a cidade não conta com secretário de esportes, e essa secretaria é então cuidada pela de cultura). Lá, a moça nos encaminhou para o ginásio da cidade, onde o Edes, que administra o espaço, nos recebeu e nos alojou num lugar ao lado do banheiro e da área pra tomar banho dos vestiários. Tínhamos o cadeado e podíamos deixar nossas coisas, o que tornava possível passear pela cidade. Tínhamos banho e onde dormir. Apesar do cheiro de urina, era mais do que o suficiente.
Já no primeiro dia, conhecemos a cachoeira do navio. As fotos falam por si.
À noite, fomos ao trailer do Dalmar, cujo filho, Adams, é um ciclista que gosta muito de mountain biking. Não só recebemos lanches de graça (nesta e nas duas noites seguintes), como fomos convidados a fazer uma trilha pra cahoeira mais famosa da cidade: véu de noiva. No dia seguinte, Affonso estava com a perna um pouco dolorida e resolveu ficar. Eu segui de bicicleta com Adams, Heron e Bruninho, para uma trilha de 27km até o canion mais alto da cidade e mais 5km até a cachoeira (passando por outra, menor, no caminho). Novamente, as fotos falam por si.
A disponibilidade desses dois caras, Adams e Heron, fez com que ficássemos um total de três noites em Sengés. E tínhamos trilhas e cachoeiras pra ficar pelo menos mais uma semana. O que mais me impressionava era a empolgação de ambos em revelar o que só eles sabiam. Visitamos algumas áreas que nem os pais dos rapazes conheciam. E tudo isso pelo puro prazer de compartilhar conosco o que sabem e participarem um pouco da nossa viagem. Minha gratidão pelo que fizeram é infinita.
E foi com o Heron que conversei mais sobre as questões políticas da cidade. Embora seja um pequeno paraíso, a prefeitura de Sengés não sabe explorar e conservar as paisagens da região. A cidade é atravessada por caminhões de transportadoras, sobretudo por caminhões da Sengés Papel e Celulose, empresa que joga diuturnamente uma fumaça branca no ar da cidade, que dizem ser de enxofre. Ao lado do centro, é muito claro e óbvio que o impacto ambiental é brutal, sobretudo para os moradores. Há relatos de que Sengés tem 10 vezes mais incidência de câncer na cabeça entre seus habitantes. Ouvi também que a empresa é dona a área onde se concentra boa parte da mata ciliar das cachoeiras e rios da região e, embora tenha havido um caso recente de inundação, ela segue derrubando a mata nativa para plantar pinho. É um caso seríssimo de saúde pública e um exemplo preciso do que acontecerá quando nosso tão desrespeitado código florestal for flexibilizado. Contradição tão clara: uma cidade tão preciosa por seu bens ambientais e tão atacada 24h por dia por quem domina o poder econômico (com braços políticos e no judiciário).
Se existe algo como a cetesb (ou ministério público mesmo servia) no Paraná, ela certamente faz vista grossa pra essa aberração. E a vista é bem grossa mesmo, porque a fumaça é visível a 15 km de distância, como nós pudemos fotografar.