Mais sobre os primeiros dias no Paraguai

Me esqueci de contar, na postagem sobre os dias no Paraguai, que desde nossos primeiros dias por lá até os últimos eu costumava perguntar aos paraguaios que conhecíamos qual a impressão que tinham sobre os brasileiros, tanto historicamente quanto atualmente.

No início eu fazia essa pergunta carregando algum sentimento de culpa, tendo em mente principalmente o massacre do povo paraguaio pela Tríplice Aliança na Guerra do Paraguai. Pouco a pouco se juntavam a essa mesma pergunta a questão dos brasiguaios,  brasileiros donos de terras na fronteira entre o nordeste paraguaio e o centro-oeste brasileiro. Por fim, após me frustar mais de uma vez buscando ouvir música paraguaia ao sintonizar as rádios locais e só encontrando Michel Teló, Tchererê-tchê-tchê, funk carioca e sertanejo universitário, também me interessava saber dos paraguaios o que achavam da presença constante de músicas comercias, canais de televisão brasileiros e novelas da Globo, presentes em todo o país.

É claro que minha pergunta era um tanto tendenciosa (assim como esse texto) e forçava uma resposta imensamente genérica; mesmo assim, não ouvi de nenhum paraguaio qualquer reprovação aos brasileiros, e sim, quase sempre, admiração. Sem ignorar a vocação imperialista do Brasil, paraguaios, uruguaios e argentinos com quem já cruzei por aí admiram a “potência produtiva brasileira”, e de alguma maneira respeitam o atual papel de liderança local que o Brasil exerce na América Latina, e particularmente entre os países do Mercosul. É curioso como, no entanto, somos frequentemente confundidos com americanos, canadenses ou alemães: “Se fosse americano eu não ajudava!” – ouvi mais de uma vez.

Escutei de um argentino num camping uruguaio: “O Brasil é um fenômeno!”; de um paraguaio em Assunción que me falava das mulheres brasileiras, disse que sabem o que querem e o que não querem, e buscam o que querem com objetividade, mas sem deixar de brincar (“jugar”), em seguida malhou as mulheres argentinas; os caminhoneiros paraguaios e uruguaios também contam histórias das amizades que tiveram e têm com os caminhoneiros brasileiros.

Seria só no Uruguai onde eu ouviria pela primeira vez alguma ressalva aos brasileiros, pelo Alfredo, um uruguaio a quem fomos pedir informação na estrada no nosso primeiro dia de pedal pelo país. Aos nos recomendar conhecer Colônia del Sacramento, única cidade uruguaia de colonização portuguesa, o Alfredo disse que hoje o Brasil tem assumido o mesmo papel que os portugueses já cumpriram no passado, “mas pacificamente”.

Numa das muitas conversas com o Giulio, paraguaio que nos hospedou pelo couchsurfing em Assunción, fiquei PASSADO!! quando nos contou de um episódio recente da diplomacia brasileira que eu desconhecia: após o fim da Guerra do Paraguai, os “vencedores” (Brasil, Argentina e Uruguai) literalmente saquearam tudo que acharam por direito do território paraguaio; não seria exagero dizer que a memória material do povo paraguaio se encontra há 150 anos sequestrada. Em 2009 o Governo Lula reavaliou todos esses arquivos e objetos roubados, a fim de julgar se conviria abrir esses documentos publicamente ou devolvê-los ao Paraguai (a exemplo de Argentina e Uruguai, que devolveram o que guardavam recentemente).  Por fim, a diplomacia brasileira decidiu por seguir mantendo consigo esses documentos, a seu ver “comprometedores”. Um paraguaio que queira ter acesso a esses documentos, quase todos guardados no Palácio do Itamaraty em Brasília, não tem permissão; no entanto, um brasileiro tem acesso a eles, entre os quais documentos históricos relativos à independência do Paraguai em 1810, artefatos da cultura guarani anterior à chegada dos espanhóis, registros de canções paraguaias, e o que mais me impressionou: um enorme canhão conhecido como “Canhão Cristão” ou “El Cristiano”, feito pelos paraguaios a partir da fundição de vários sinos de suas igrejas para fazer frente ao poder de fogo da Tríplice Aliança e depois capturado como troféu de guerra pelo exército brasileiro. Esse canhão encontra-se hoje no Museu Histórico Nacional do Rio de Janeiro e é para os paraguaios um símbolo de sua resistência durante a guerra (fui buscar na internet mais informações sobre esse caso e parece que o Brasil devolverá pelo menos o canhão, o resto segue no Itamaraty indefinidamente).

 

El Cristiano

 

Me desculpem pelo tom generalizante e tendencioso do texto, não deu pra sair de outro jeito, e tudo é realmente mais sutil e com mil mais variáveis do que eu faço parecer no texto. Agora, o que os paraguaios, uruguaios e brasileiros tem me dito sobre os argentinos é DRAMA!!, e vai ficar pra outra postagem.

 

5 opiniões sobre “Mais sobre os primeiros dias no Paraguai

  1. Clávio José de Souza disse:

    Olá Pedaleiros,

    Comecei a acompanhar a aventura de vocês, acho muito interessante a coragem de vocês de pegarem a estrada, sonho com isso, assim que arrumar um companheiro quero fazer o mesmo.
    Já fiz uma pequena aventura em 2006, eu e mais três companheiros (Sr. Valdo, Ricardo e Orli) fizemos uma viagem de bicicleta de Ushuai à El Calafate na Argentina. Fomos de ônibus de Joinville até Ushuaia onde partimos de bicicleta em alguns trechos fizemos de ônibus passamos pelo Parque Nacional Torres de Paine no Chile, Glaciar Perito Moreno até chegarmos à cidade de El Calafate onde pegamos um avião e retornamos para o Brasil. Foi muito emocionante essa viagem pedalamos aproximadamente 1.000 km, não vejo a hora de fazer uma nova viagem.
    Gosto muito da Bicicleta, ando no meu dia a dia aqui em Curitiba. Prefiro andar de bicicleta ao carro.

  2. Maria de Fátima do Prado Valladares disse:

    Que nem filme, pura empatia. As vezes lhe contraindicam , você vai lá, não tinha nada melhor para fazer e… acho que o (amigo) não considerou a fotografia, a edição, o roteiro, sei lá. É o dia, o humor, a formação e tirando o fato dos filmes-novidade, que funcionam como bebês, todo mundo acha uma gracinha, nos filmes em geral, como nos livros ou outras obras de arte, a beleza está nos olhos de quem vê (vale para os humanos como p-arte). Afora as histórias horríveis, sempre horríveis de guerra, tem a pior postura de “vencedor(?)” quem carrega consigo a arrogância, como se nunca tivesse nada a aprender com o outro lado. É na verdade constrangedor. Lutamos por idéias e ideais, por coisas lutam os primitivos. Objetos tem significado para os seus donos, que após uma contenda não precisam ainda ser pilhados. Um objeto pode ser uma referência tanto para um indivíduo e nos sensibilizar, que dirá para uma Nação. Os que sabem, identificam aí os verdadeiros fracos. Vivam muito melhor que antes nossos irmãos, que sabem o valor de receber bem. E estou escrevendo no momento em que você meu filho está em solo Argentino, e com experiências humanas tão encantadoras quanto as anteriores. Por isso falei do filme. Aos moços viajantes, que Deus lhes proteja e que Nossa Senhora os cubra com Seu Manto. Beijos e amor.

  3. Silvinha disse:

    Olá viajantes!
    Também tive a oportunidade de peregrinar de bike por uns cantos da América. Só coisa boa!
    Não sei se vocês conhecem mas existe um site de “hospitalidade (e banho quente!) para cicloviajantes”
    http://www.warmshowers.org/

    Boa jornada!

  4. Tomaz Antonio Brum disse:

    Cadê vocês? Aconteceu algo?

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