Segunda semana no Paraná (12 a 19/2/2012)

No último domingo completamos 3 semanas de viagem na casa de mais um anfitrião do couchsurfing, o Túlio, em Cascavel-PR. Hoje, já em Foz do Iguaçú, estamos muito próximos tanto de sair do estado do Paraná quanto de cruzar nossa primeira fronteira pra outro país. Dá pra dizer que a primeira etapa de nossa viagem foi completada.

Eu queria relembrar aqui a alegria que senti ao cruzar a divisa de estados entre São Paulo e Paraná. Ainda em São Paulo, comentando com amigos sobre os planos da viagem, eu costumava dizer que, mesmo com a imensa ambição de nossa viagem (descer pro Ushuaia e subir ao Alaska), se eu conseguisse chegar no Paraná já seria um grande feito. Então o limite mínimo do meu fracasso já foi superado e estamos cada vez mais adaptados às condições da viagem. Daqui pra frente os desafios tendem a ser maiores: maior necessidade de adaptação à novas línguas, hábitos e costumes locais, comidas, condições climáticas. As bicicletas também já estão começando a apresentar desgastes, pelo uso intenso e o peso, e a mudança de tipos de estrada (do asfalto pra estradas de rípio, terra ou outros) pode aumentar esse desgaste. O vento, que até agora pouco ou nada interferiu no ritmo da pedalada, daqui pra frente tende a ser um fator determinante caso esteja contra ou a favor de nossa direção. E todas as subidas que enfrentamos (e foram muitas e sempre) devem ser mesmo só a raspa da sujeira debaixo da unha do dedinho do pé de uma miniatura em argila, mal-feita, feia e por R$1,99, da cordilheira dos Andes.

DIÁRIO DA SEMANA

Saindo de Ponta Grossa na manhã de segunda-feira passadas, depois da despedida pra Eva e o Cláudio (que, curiosamente, se despediram com aquela saudação típica japonesa, mas discretamente), seguimos em direção a Prudentópolis, uma pequena cidade com 70% da população descendente de ucranianos ou poloneses. Logo na entrada da cidade, um portal de bem-vindos com algumas características típicas de igrejas ortodoxas e  construções do leste europeu. No pátio de uma escola, durante o recreio, só dava criancinha de cabelo branco-quase-loiro correndo, e as professoras gritando: “Damasceno, larga o cabelo da Lyaksandra! Joãozinho e  Ivaniev, brincadeira de mão não pode!”. Era curioso parar numa loja ou bar e ver aqueles homens chucros, aquele típico capiau interiorano do Brasil passando a tarde com um copo de cerveja na mão e ruminando umas consoantes na boca, mas na figura de um eslavo.

Chegada a Prudentópolis-PR

Mais uma vez fomos buscar a secretaria de esportes local, e mais uma vez pudemos dormir num banheiro do ginásio de esportes.  Guardamos nossas coisas e fomos tomar sorvete, conhecer duas igrejas locais (a ucraniana e a polonesa, fotos abaixo), e comprar uma espécie de linguiça ucraniana, a cracóvia, que podia ser de porco ou frango. Compramos a de porco, mais um queijinho ucraniano bem macio, e um pão feito no dia, pra nosso jantar e café da manhã do dia seguinte. À noite no ginásio, conversei um bom tempo com o guardião, um homem com um jeito muito singelo de falar das próprias fraquezas ou dores (a propósito, não foi o primeiro paranaense em quem reparei esse jeito). Me contou devagar, baixo, um pouco lamentoso mas tranquilo: “Olha, piá, nunca fui bom de bola. Eu gosto de bola, sabe, mas meu pé não encaixa, daí”. Acho que sou incapaz de expressar como ele falava, mas tentei aqui só pra registrar. Antes de dormir, ele nos alertou: “Se começar a ouvir uns barulho na noite repara não, é a coruja que entra no ginásio pra caçar filhote de pombo e bate com a asa no teto”.

No banheiro do ginásio de esportes em Prudentópolis-PR

A igreja ucraniana de Prudentópolis

O interior da igreja, com as imagens de santos pintadas sobre um fundo dourado, típicos na iconografia cristã ortodoxa

Tocando o sino

A igreja polonesa

Fomos dormir à noite sem termos decidido o destino do próximo dia. Nem olhamos o mapa. De manhã, pouco antes da partida, combinamos: “vamo indo. Uma hora a gente pára.”. É gostoso sair meio sem rumo por aí, mas a falta de planejamento também traz alguns problemas. Depois de termos pedalado mais de 100 km, encarado uma serra muito extensa com subidas infinitas, já com as pernas cansadas, uma ameaça constante de chuva e sem saber direito quanto mais teríamos que pedalar até achar uma fazenda, povoado, distrito ou cidade, paramos num posto de atendimento da estrada pra descansar, tomar chafé e pedir orientações. A próxima cidade chamava-se Candói, e o primeiro bairro dela, Lagoa Seca, ficava a uns 13 km de onde paramos.

Araucária pouco antes de começarmos a subir uma das serras paranaenses

Parada pra descanso no mirante da serra

O que uma tubaína faz com um jovem...

Em direção à chuva

Parada no posto de atendimento da estrada

Assim que vimos um posto de gasolina com restaurante aberto, e do outro lado da estrada algumas casas e um colégio fechado, paramos. Já eram quase 18:00, e não tínhamos idéia onde buscar hospedagem. Parando pra comprar umas bananas (boas pra recuperação muscular) numa espécie de padaria/mercadinho, o dono nos sugerir dormir numa construção ao lado de sua venda, um galpão em construção. Conversamos com o pedreiro responsável pelo espaço, que topou na hora: “OOoi piazão. Fica a vontade, piá, pode por suas coisa naquele quarto ali, depois fecha as porta com o madeirite e aquelas tábua de madeira que entra cachorro à noite” (os paranaenses dizem piá pra todo moço ou rapazinho. Pras mocinhas em quem o piá tem algum interesse, chamam de guria). Demos uma boa varrida no chão de um quarto, deixamos nossas bicicletas e bagagens lá, e atravessamos a estrada pra comer no restaurante do posto de gasolina e entrar na fila do banho junto com os caminhoneiros.

Na manhã do dia seguinte um imprevisto: o pneu traseiro da minha bicicleta acordou murcho. Trocamos a camara e deixamos a furada pra remendar depois, correndo assim o risco de não ter uma camara reserva caso outra furasse no caminho. Fomos em direção a Nova Laranjeiras. Depois da parada pro almoço, um novo imprevisto: dessa vez, o pneu do Fatício estava murcho. Ele remendou alí na hora, retirou com uma pinça o meliante incrustrado no pneu (um fiapo de arame de pneu de caminhão, a mesma causa do meu furo). Nessa parada pra almoço e remendo, já começamos a ver com alguma frequência placas de carros argentinos e chilenos, até conversamos com um senhor chileno de uns 50 anos que já teve sua fase aventureiro de moto até alguns anos atrás.  Retomamos o pedal só depois das 15:00, o que nos obrigou a pedalar com mais velocidade pra tentar chegar em Nova Laranjeiras antes das 18:00.

Os piazinhos curiosos com o conserto do pneu furado da bicicleta do Fatício, depois de nosso almoço a caminho de Nova Laranjeiras

Depois de uma pedalada forte, chegamos em Nova Laranjeiras a tempo, mas tivemos que esperar até mais de 20:00 até que alguém aparecesse no ginásio de esportes. Passamos na prefeitura, num outro ginásio, na escola municipal (conversei com o diretor), todos falavam do ginásio de esportes como o local pra ficarmos mas ninguém sabia dizer quando nem se abriria com certeza. A dica mais incisiva veio de uma moça, ou eu diria, uma guria, que atendia sozinha no balcão de uma lanchonete em frente ao ginásio. Tá certo, eu até ouvi dela que às 20:00 vinha um grupo pra aula de caratê, mas minha atenção tava mesmo vidrada nas suas…opções de comida. Tomei coragem e perguntei se eu podia comer uma de suas…paçocas. 15 centavos o torrão. Um pouco secas mas ainda assim muito gostosas essas paçocas do interior! Deu 20:00 Mais uma vez conseguimos hospedagem através do Secretário de Esportes (o Hamilton, muito gentil), mas dessa vez não no ginásio: não sei como, nem quem financiou, mas ele veio com a chave de um quarto do único hotel da cidade, onde poderíamos passar a noite. Agradecemos muito, dormimos numa cama fofinha e partimos em direção a Ibema, a última pequena cidade antes de Cascavel, a quinta maior cidade paranaense.

Em Ibema, fomos direto pra prefeitura, onde tomamos nosso primeiro chimarrão (disposto “publicamente” em cima de um balcão de atendimento da prefeitura, com a garrafa térmica ao lado). Nos apresentaram a um senhor que nos encaminhou ao assistente social da cidade. Fomos todos até uma casa abandonada, com alguns brinquedos infantis jogados no chão. A casa onde passaríamos a noite era uma antigo orfanato, hoje transferido pra outro terreno, e tinha vários quartos, chuveiro quente e pulgas, mas tava ótimo. O Fatício passou a tarde e parte da noite tentando resolver alguns problemas meio graves que surgiram na sua bicicleta: o pneu que compramos, da melhor qualidade, estava com umas bolhas nas laterais e certamente condenado, deveria durar 8000 km e não durou muito mais que 1000 km; ao desmontar a corrente pra limpar e recolocá-la, uma das peças do câmbio que deveria rodar não rodava mais, e isso impediria ele de pedalar. E na minha, o pneu traseiro estava rodando com dificuldades, travava no freio, o que me obrigou a afrouxar um pouco o freio. O Fatício passou horas mexendo na bike, e na manhã seguinte, não nas melhores condições, partimos pra Cascavel esperando encontrar lá uma boa bicicletaria que resolvesse tantos problemas surgidos tão bruscamente.

Fatício mexendo nas bicicletas em Ibema-PR

Jantar em Ibema: macarrão temperado e arroz no pote plástico doado por uma senhora, e completamos com atum em lata

A casa onde passamos a noite em Ibema

Já a poucos quilometros de Cascavel, um ciclista com quem cruzamos no sentido contrário nos alcançou após uma meia hora de nosso primeiro encontro, pouco antes de pararmos pra tomar um suco de milho na beira da estrada. Ele se chamava Roberto e ficou admirado com o que estávamos fazendo, disse que sonha viajar de bike, quis saber alguns detalhes, tirar fotos conosco. Voltaríamos a encontrá-lo já em Cascavel, onde ele pegou nossos contatos, ofereceu sua casa para ficarmos (mas já tínhamos um novo contato do couchsurfing acertado), e nos indicou uma boa bicicletaria pra vermos com calma todos os problemas surgidos nas duas bicicletas nos últimos dias. Os mecânicos eram ótimos, cobraram baratíssimo e deixaram as bicicletas zeradas. Saímos da loja pra casa do Túlio, contato do couchsurfing que nos hospedaria por duas noites, e onde iríamos encontrar também nossa primeira visita extraordinária durante a viagem: a Juli, namorada do Fatício, que aproveitou o feriado de Carnaval pra sair de São Paulo e nos acompanhar de Cascavel até Foz do Iguaçú.

Já estamos em Foz, mas deixarei o relato dos últimos 3 dias pro Fatício.

CONSIDERAÇÕES

Com exceção de Prudentópolis, todas as cidades seguintes por onde passamos tiveram poucos atrativos (fora a paçoquinha memorável de Nova Laranjeiras, e uma menina da barraca de pastel em Ibema: pedi um de “*eijo” pra ver o que vinha…Também um pouco seco, mas bem recheado). É claro que nunca se sabe quando alguém interessante vai conversar contigo, ou o que pode te cativar mesmo nos lugares menos suspeitos, e muitas coisas interessantes aconteceram sim durante esses últimos dias, como em todos os outros dias. Acontece que nessa semana minha atenção ficou mais focada nas pedaladas mesmo, em tentar desenvolver técnicas pra render melhor na marcha pesada durante subidas, na escuta de música como motor, no uso de acessórios como os óculos, a sapatilha, as luvas, a calça elástica apertadinha que acaba com nossa moral.

A calça apertadinha de ciclista, e as sapatilhas

Vou deixar pra escrever com mais calma sobre esses acessórios e quem sabe também sobre algumas técnicas para pedalar que tenho aprendido numa próxima postagem. Estamos realmente muito bem por aqui, e espero que quem está nos lendo também esteja bem, e curtindo nos acompanhar. Um grande beijo a todos.

 

12 opiniões sobre “Segunda semana no Paraná (12 a 19/2/2012)

  1. Flavio disse:

    Ae, mano…Sinto muito mais animação e folego em vocês, sem falar que já tem bastante história pra contar.

    sucesso procês…

    PS: Fones, tenho um projeto para expandir fazer algumas festas profissas. Posso usar a Padre,pequei como referência, e mailing? O Re e a Mona liberaram…

  2. Cíntia Muriana disse:

    Fico muito feliz cada vez que leio um novo post!! Beijos pra vocês…

  3. Leandro Farias disse:

    Sucesso companheiros, Deus guiará vcs! Abraço!

  4. Maria de Fátima do Prado Valladares disse:

    Ei! A coisa tá boa hein? Muito bom, muito bom mesmo. Mas piás, façam o favor de ficar espertos, morou? Muitos beijos, amor e sucesso. Que Deus os proteja e Nossa Senhora os cubra com seu manto(azul). Cê sabe, né Fon, como é a sua mãe.

  5. Isabella Muriana disse:

    FOOOODA DEMAIS! Sem mais.

  6. Bia Santana disse:

    Ah.. to curtindo demais acompanhar isso…

  7. Maria de Fátima do Prado Valladares disse:

    Por onde vocês andam? Atravessaram a fronteira? Boas pedaladas e que Deus os proteja!

  8. Maria Cheung disse:

    Affonso e Fabricio, adorei encontrar voces. Foi muito legal reconhece-los pelas bikes.
    boa sorte
    bjs

  9. Juliana disse:

    Meninos….. boa sorte prá vcs, vão com Deus e se cuidem!!!
    Bjssss

  10. Mona disse:

    Muito Bom!

  11. Mayra disse:

    Que delícia acompanhar a jornada pelos olhos de vocês! E como estão morenos! Muita sorte pra sorte nos seus caminhos! Beijo imenso da outra ponta da estrada!

  12. Caterina disse:

    this is a really interesting article. thanks.http://www.musicapaulafernandes.net

Deixe um comentário para Juliana Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *