O natal é o de sempre, naquele sítio mesmo, os tios e, sobretudo, as tias de sempre. O amigo-secreto, impossível fugir. Um tiquinho de coerção, outro de homofobia velada, mas é verdade, ainda há um restolho de afetos e algumas pessoas com quem se quer de verdade compartilhar.
Explicar aos outros os meus planos de 2012 é uma tarefa difícil, repetitiva, mas gratificante pelas reações absolutamente diversas. “O ano todo?”, “Cara, te admiro”, “Você é louco”, “Vai sair do trabalho”, “Mas e a Julie?”…
Tem poucas coisas que me colocam mais à flor da pele que ver minha mãe chorando. Só de escrever essas palavras, os olhos já ficam marejados. E acho que foi a primeira vez que vi minha mãe chorando por conta de uma decisão que tomei e de que sei que ela discorda. Me ocorre pensar porque ela discorda…
Pra nossa geração (e sei que aqui estou fazendo uma baita generalização, tanto de idade, quanto de classe), parece cada vez mais cotidiano encontrar com pessoas que desertam. A lógica simplificada é “Mas qual é o sentido de tudo isso? Acumular? Consumir? Trabalhar e trabalhar…”. A separação entre o sentido do que se faz e o que se faz propriamente é tal, que fica impossível enxergar razões de acordar todo dia e seguir o que está escrito pra cada um. Não, não é um caminho inexorável. São escolhas em série, nas quais, por inércia ou falha moral, optamos por seguir num sentido que não definimos (opa, tá virando auto-ajuda genérica). Ou seja, quando a gente vê, boa parte do que fazemos na vida não tem qualquer sentido, senão o de manter o padrão de vida que temos e que, por vezes, não escolhemos ter.
Pra geração da minha mãe, ou, mais especificamente, para os meus pais, o sentido da vida é acumular. Sei que estou sendo cruel com essa afirmação e que eles, pessoas, não se resumem a isso. Mas há razões materiais para que eu conclua isso. Tudo que eles conquistaram foi fruto da venda de suas forças de trabalho. Eles tinham a minha idade num Brasil que tinha sido atropelado por um golpe militar, onde a moral cristã, da família, do trabalho, se instalou de maneira que nenhum comunista pensaria que seria possível antes do golpe.
A minha geração está aprendendo o que é não ter essa mesma moral nos arrastando. Agora a coisa é diferente. O mundo está aí pra ser consumido. Nas palavras da Maria Rita Kehl, é uma festa permanentemente nos convidando a participar. Mas curiosamente nunca estamos satisfeitos.
Aqui é possível ver a diferença entre as reações. Entre os meus próximos, não houve ninguém (reiterando: NINGUÉM) que tenha me chamado de louco. Porque desertar está logo ao lado. É sempre uma opção que não tomamos. Para a minha mãe, desertar é parar de acumular, portanto é morrer um pouco. Por isso o choro.
Não foi exatamente o natal mais feliz, mas foi um Natal em que guardei algumas coisas que ruminarei por muito tempo. Continua sendo muito chato ver alguém chorar por uma decisão minha. E continua sendo uma decisão que faz cada vez mais sentido.
Ps1: Embora eu não concorde com a conclusão do rapaz, vale ler também o texto do Guilherme Cavallari: http://www.extremos.com.br/Blog/Guilherme-Cavallari/111212_promessas_e_desejos_para_o_ano_novo/
Ps2: A foto da Simone não corresponde à realidade. Esse deve ter sido o único Natal dos últimos 10 anos em que não ouvi aquela música infernal. Em compensação, Michel Teló…
E a Juli? A Juli prefere um “desertor” a um “acumulador”.
(E a Juli vai conhecer Cuba antes que chegue a especulação imobiliária por lá e ainda vai passar o Natal no Alaska fingindo que acredita na Coca-Col… no Papai Noel!!!)
“Desertar” é belo verbo pra essa história toda, mas não resume. Esta decisão precisa de um monte de verbos pra tentar mostrar sua importância. Não acharia exagero usar o verbo “libertar”, por exemplo. Ou “encontrar” (porque não vai faltar tempo, disposição, alegria para os encontros, já que não estarão disperdiçados no trabalho sem sentido). Nem mesmo o verbo “viver” seria demais. Penso que “desertar é parar de acumular, portanto é morrer um pouco”, poderia ser: “desertar é parar de acumular, portanto é VIVER um pouco”.
O choro – vixi! – o choro deve do tamanho do risco que o desertor assume ao deixar-se viver um pouco. E deverá ser também, em breve, do tamanho da presença de sua ausência.
A definição das gerações é arbitrária, certamente. É pouco. Mas dá a pensar. Até pra fugir do perigo da própria viagem se transformar numa busca por estar plenamente realizado e feliz sempre (e contando pra todo mundo que está feliz e sendo mais, mais, mais, mais pleno, com as peças de bicicleta mais geniais e as melhores histórias de todas e os melhores remédios pra depressão… rs) – como também se pode trazer das palavras da Maria Rita Kehl. Ou seja, essa obrigação de estar desejando e satisfazendo desejos, de estar sentindo TODOS os prazeres disponíveis. Esse perigo é de toda nossa “geração”. Daí que até desertores precisam estar atentos.
E, sejamos da “geração da moral do acúmulo” (lembrando que milhões começaram agora a conhecer o acúmulo no Brasil – talvez gerações se misturem que nem arcaico e moderno) ou da “geração dos prazeres obrigatórios e compulsórios”: há escolhas – todas elas serão tão efetivas e políticas quanto nós as fizermos ser.
Isso é post ou comentário?
O que importa é ver o sentido nas coisas…e quando isso não mais for possível…”se perder” para “se encontrar” é totalmente saudável… se perder em nossos sonhos…em nossas vontades. Fazer o que nos faz sentido…ou não…ser feliz!!!
Muito bom Fabrício. Ainda não tinha pego todo o enredo. Realidade é aos poucos e para poucos. Mas o que é essa tal realidade? É uma versão pessoal? O que somos de fato e o que nos faz nos definirmos por argumentos? Diria que… nada, é melhor que cada um fale por si e para quem for próximo, quando dá. A vida é experiência única e nos apropriarmos da nossa própria é a maior vitória. Nos deixarmos conduzir pela combinação dos humores decorrentes das emoções e da razão. Apurar a forma e ser feliz (não, não, já é conceito). Beijos e amor.
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