Todo ciclista de alguma forma já está acostumado a conviver com os próprios pensamentos. E vejo como lidar com os próprios pensamentos é e sempre foi uma questão complicada pra muita gente, até um tabu pra muitos grupos (ou qualquer pessoa que veja sua individualidade ameaçada ou castrada por tradições, contratos sociais ou de trabalho, idéias fixas). Minha tia Miriam do Rio de Janeiro, alguns meses antes de eu partir, me ligou aflita quando soube da viagem: “Meu filho, olha, você leu muitos livros, fez universidade, é artista, tem todo um universo interior. Eu sou uma mulher prática! Nem sei o que significa subjetividade. Eu conheço as coisas como elas são, não pela teoria. Converso com as pessoas, já vi muita coisa por aí. O mundo é perigoso, toma cuidado!”.
Bom, eu não diria que em quase 30 anos de vida não tive ainda nenhuma experiência prática (até já plantei feijãozinho no algodão, foi mágico!). Mas uma viagem de bicicleta como a que estamos fazendo é uma experiência intensíssima nos dois sentidos: na tal da vida prática, exterior, e na também tal da vida interior. Passam-se horas em silêncio, durante as pedaladas na estrada, e também depois. O próprio entendimento entre eu e o Fabrício, uma necessidade constante de equilíbrio mútuo, talvez aconteça mais durante os silêncios do que nas conversas. Uma viagem de biclicleta em grupo não garante altas conversas; quem vê o silêncio como algo incômodo, a ser evitado a todo custo, como sintoma daquele vazio que muitos querem longe, poderia ter aí um grande problema. E carregar na cabeça alguma questão pessoal mal resolvida, como uma frustração qualquer, um arrependimento, uma memória persistente, pode ver essa questão pesar mais e mais ao longo da viagem.
Durante os 6 meses que antecederam nossa partida, tentei ter clareza de que deveria sair de São Paulo sem nenhum vínculo que não fosse o estritamente afetivo, com minha família e amigos (essa foi uma resolução pessoal minha, não é uma exigência pra qualquer um que queira viajar um bom tempo de bike). Nenhum contrato, nenhuma questão pendente, nenhum rolo amoroso mal resolvido, quite com a vida e totalmente aberto para o que poderia vir a acontecer. E já na viagem, a impressão que tenho é que a cada dia devemos dormir quites, zerados com as questões do dia que está acabando. Não há nada mais urgente aqui do que o próprio momento em que se está, e as condições desse momento.
Pedalaremos uma média de 5 a 6 horas por dia, de 4 a 5 dias por semana, durante nossa viagem. Estamos descobrindo aos poucos uma certa dinâmica do corpo na estrada: na primeira hora em geral rendemos bem, e isso pode se estender pra segunda hora; da terceira em diante, dependendo da intensidade da pedalada já feita, o cansaço já aparece, e falta ainda algum tempo pro almoço (que de fato renova as energias, o ânimo e as pernas pra chegarmos ao destino do dia). Confesso que minha cabeça pensa num volume alto quase o tempo todo, e imagino que o Fatício, cabeçudo como é, também. Se nos momentos de cansaço na estrada somos assediados por pensamentos que nos puxam pra baixo, tem ficado claro como o rendimento da pedalada diminui, como também a atenção à estrada que deve ser constante. Nessa hora, ou convém ouvir uma música (se a estrada tiver um acostamento generoso e tráfego tranquilo), ou parar, ou comer paçoca, mascar algo que dure na boca, ou contar com o acaso que tem nos brindado com encontros quase sempre oportunos: gente que pára o carro pra conversar conosco, uma buzinadinhas camaradas que as vezes nos reconectam, um rio que cruza a estrada e paramos pra nadar, beber água de fontes, tirar foto, ou dar atenção pra um gavião pagando de gatão no meio da pista.
Tenho me lembrado bastante de uma frase do Deleuze (filósofo francês da segunda metade do século XX): ˜É preciso pensar com o que fortalece o pensamento, não com o que o debilita˜. Nem sempre isso é possível, mas fica como norte pra prática do pensamento, que vai ser tão constante e intenso pra nós quanto pedalar.
Pra evitar esboçar em mim um novo guru de auto-ajuda, queria começar o relato objetivo dos últimos dias de viagem, mas o Fatício já fez isso (falou de Sengés), então hoje só fiz filosofar mesmo. Só não queria deixar de agradecer ao povo de Sengés que conhecemos, e por quem guardarei muito carinho. E as moças de Piraí do Sul, que na conversa fizeram nossa digestão de feijoada ficar mais leve, beeeijo procêis.
Affonso
Show de bola, cada post esta melhor que o anterior, passaram perto do sitio da minha mãe.. devem ter visto a placa para “Buri” entre Capão Bonito e Itapeva 😀 Fabricião e Affonso, força e boas pedalas pra vcs!!! Se precisarem de alguma q possa ser feita a distancia, contem comigo, nem q tenha q mandar por correio aonde vcs estejam!!!
Info tantas, muchas gracias.
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Gostei muito desse site!
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